Estudos indicam que, ao nascer, o bebê não consegue enxergar muito bem, mas reconhece sua mãe pelo cheiro. E quem nunca sentiu cheiro de bebê? Desconheço aroma tão próprio... Os cheiros estão profundamente arraigados a sensações afetivas... De longe a gente conhece o perfume da pessoa amada... O aroma do café passado na hora que nos transporta para a casa de alguém querido... O cheiro da terra molhada que acalma o coração aflito de quem tira o sustento do solo.
O Natal é permeado de aromas e de memórias afetivas, seja o cheiro das refeições saborosas – ah! o cheiro de panetone, de peru ou chester assado, de biscoitos recém-saídos do forno; o cheiro “novo” dos presentes e seus embrulhos, o cheiro do pinheirinho de Natal, da época em que ele não era de plástico... Cheiro de família reunida. Cheiro de alegria. Cheiro de paz. Também é certo que, para algumas pessoas, os cheiros natalinos trazem à tona memórias de tempos difíceis. Cheiro de luto. Cheiro de solidão. Cheiro de ausência.
O primeiro Natal foi permeado por aromas. Após a convocação para o recenseamento, José e Maria precisam ir à Belém. Belém significa “casa do pão”. Cheiro de pão quentinho. Cheiro de comida para todas as pessoas. Cheiro de partilha – como o Cristo que se chamou de “pão vivo que desceu do céu” pregou e viveu.
Maria grávida e José percorrem mais de 150 quilômetros de Nazaré até Belém. No caminho, cheio de poeira do deserto, de cansaço, de suor. Dois imigrantes à procura de pouso. Nem a presença de uma mulher grávida facilita o processo. Cheiro de discriminação, de abandono, de angústia. Não há lugar para pessoas como eles nas hospedarias da cidade.
É o cheiro de um estábulo que acolhe aquele casal. Cheiro? A isto nomina-se fedor. É fedor de esterco, de urina de animais, de capim e feno.... É ali, bem longe do cheiro asséptico de cloro ou hipoclorito de sódio de uma sala cirúrgica de um moderno hospital que nasce o filho de Deus. O estábulo é tomado por cheiro de sangue, placenta e alegria. É este o primeiro cheiro da vida! É Deus que se torna humano e passa a sentir o cheiro paradoxal da humanidade – às vezes perfumada, às vezes pútrida... De repente, a estrebaria para de feder e começa a ter cheiro de esperança.
Ao longe, pastores de ovelhas, adivinhe? Com cheiro de ovelha! Estes são surpreendidos por coros celestiais. Não faço ideia de qual possa ser o cheiro angelical... Arriscaria cheiro de brisa de mar com um belo pôr-do-sol, cheiro de pipoca de cinema, cheiro de colo de mãe... E o cântico angelical asperge sobre a miséria daqueles pastores um aroma de ânimo, um cheiro de reconhecimento, um aroma de dignidade. Como tantos ainda hoje anseiam por essa aspersão! Os pastores largaram tudo e vão até Belém contemplar aquele bebê com cheirinho de recém-nascido.
O cheiro de conhecimento, de aventura e de coragem adentra a estrebaria com a chegada dos sábios do oriente. Reza a lenda que trouxeram presentes: Ouro, incenso e mirra. Presente real, sacerdotal e sepulcral. Dois destes, altamente aromáticos... Nada de cheiro de talco ou lavanda. O incenso tem cheiro das orações e preces que são levadas a Deus e a mirra para embalsamar o corpo morto e ocultar o cheiro ruim de sua efemeridade – experiência pela qual aquele bebê Salvador iria passar. Os magos que vieram do oriente retornaram contagiados por todos estes aromas, provavelmente espalhando o cheiro de misericórdia, de humildade e de sabedoria por onde passavam.
Maria guardava todas as experiências vividas em seu coração, como quem guarda um frasco com perfume preciosíssimo. É esse frasco de alabastro que é quebrado sobre nós a cada Natal para nos lembrar dos verdadeiros aromas dessa noite santa. É quebrado, porque precisamos desconstruir a mesquinhez dos cheiros aos quais estamos habituados e que tão facilmente se adaptaram ao nosso olfato: Fedor de corrupção, de injustiça, de ódio.
Aromas e cheiros provêm de uma fonte, uma essência que se revela e propaga. A essência do aroma de Natal é Jesus, o Filho de Deus, que se torna humano. É cheiro de bebê. É cheiro de leite materno. É cheiro de família. Natal é momento oportuno para inspirar profundamente inflando pulmões e vidas com o cheiro que vem da manjedoura. Aroma de perdão. Cheiro de salvação. Perfume de amor. Perfume-se do aroma do Natal e espalhe o cheiro bom do bem. Que os aromas do Natal nos façam lembrar da nossa missão de ser o perfume da criança de Belém pelo mundo.
* Gerson Acker é pastor da Igreja Luterana de Nova Friburgo
Instagram @gersonacker
Youtube @igrejaluterananovafriburgo
Deixe o seu comentário