Conversa pedagógica

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 07 de setembro de 2021

— Alô! Alô! É o professor Macário?

— Ele mesmo. A senhora podia falar um pouquinho mais alto?

— O senhor é o professor Macário, que os alunos chamam de professor Macabro?

— Essa eu ainda não conhecia. O próprio. Em que posso ajudar? Por favor, fale mais alto.

— Não posso, professor. É confidencial.

— Não seria melhor então a senhora vir ao colégio, falar pessoalmente?

— Professor Macabro... Desculpe... Macário. Tem alguém mais ouvindo nossa conversa?

— Não, ninguém. Qual o nome da senhora, por favor?

— A telefonista é de confiança? Sei lá, ela tem cara de fofoqueira. Fica ali dentro daquela gaiola, ouvindo tudo quanto é ligação...

— Dona Marly é de total confiança. Mais de dez anos na cabine telefônica.  Olha, eu estou esperando um pessoal do sindicato. A senhora podia falar do que se trata?

— É confidencial, professor. É sobre um aluno do colégio. Mas, pelo amor de Deus, não fala pra ele que eu liguei, não. Tem certeza que D. Marly não tá escutando?

— Por favor, qual o nome da senhora, quem é o aluno e de que se trata? Acho melhor a senhora vir falar comigo.

— Já tou falando, professor. Professor Mancada... desculpe... Macabro... desculpe ... Macário. É o seguinte... Sincomoda de ir ver se a D. Marly não tá de orelha em pé, ouvindo a gente?

— Minha senhora, desculpe, mas estou esperando o pessoal do sindicato...

— Vou falar. Já que é pra falar, falo logo. É a professora de português, professor. Sem brincadeira, ela é macabra.

— Qual professora de português? O que tem ela?

— A professora do Luizinho... Sabe quem é Luizinho, não sabe? Ou vai me dizer que não conhece os alunos do seu colégio!

— O colégio tem mil e duzentos alunos, minha senhora. Olha, o pessoal do sindicato já está lá fora... Qual é problema do Luizinho?

— Do Luizinho, não! Contra o Luizinho, isso sim!

— E qual o problema... vá lá!, contra o Luizinho?

— A redação, professor. Merecia pelo menos nove e meio.

— E quanto ele tirou?

— Só sete e meio ...Uma injustiça. Deus no céu tá vendo que é uma injustiça.

— E o que tem de errado na correção da professora, minha senhora? Aliás, qual é mesmo o seu nome?

— Eu sei lá o que tem de errado, Seu Macabro! Eu ainda não vi a redação. Ela não devolve porque sabe que a nota é injusta.

— Mas se a senhora ainda não viu a redação...

— E precisa ver? O Luizinho, se quiser, vai ser escritor. Mas o que ele quer mesmo é ser motorista de caminhão.

— Eu posso falar com a professora. Qual a série do Luizinho?

— Eu lá vou denunciar meu filho, professor!

— Mas sem saber quem é, vou fazer o quê?

— Já vi que o senhor também quer ferrar o Luizinho! Pela mãe do guarda! Não é à toa que chamam o senhor de Macabro. Pode deixar, eu mesma vou aí falar com a professora. E fala com a fofoqueira da Dona Marly pra parar de abelhar a conversa dos outros.

— Alô! Alô! Minha senhora... Desligou... Eu é que devia ter sido motorista de caminhão!

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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