Festa de aniversário

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 05 de maio de 2021

É dia de festa na casa dessa família tão tipicamente brasileira

A menina chega ao mercadinho do bairro e entra indecisa. Pelo tamaninho, deve ter nove anos, quando muito dez. Abre a mão, da qual escapolem poucas notas e parcas moedas. Com a voz baixa de quem tem de medo da resposta, pergunta se o dinheiro dá para três pãezinhos, três salsichas e um refrigerante pequeno. É claro que não dá, mas o dono do negócio tem coração mole e diz que sim, dá até para acrescentar algumas balinhas. A menina ri, contente com a sobremesa imprevista. Do balcão, a mulher do comerciante pergunta quantos anos a menina tem. Doze, responde ela. Faço doze hoje.

Então vai ter bolo de aniversário logo mais! Exclama a simpática senhora. A menina, quase como quem pede desculpa por dar a resposta errada, diz que não, que ela nunca teve bolo de aniversário. Não tem esse costume lá em casa, não, explica com naturalidade. Aliás, nunca deve ter lhe passado pela cabeça que pudesse ter bolo de aniversário, coisa que — acredita ela — só criança rica tem. Mas quem não sente pena de uma garotinha com doze anos de idade e nove de aparência, vestindo roupas que já pertenceram a alguém maior do que ela? A mulher sente pena. Sabe que a aniversariante mora ali por perto, mas quer saber exatamente onde. A explicação é feita com poucas palavras e vários volteios das mãos. Mas dá para entender.

A mulher vai até a cidade e compra uma torta de chocolate. Leva o presente à casa da menina e chega no justo momento em que pão, salsicha e refrigerante constituem o farto jantar daquele dia. O pai, biscateiro, não está. Talvez não esteja há muito tempo. Mas agora que tem torta, a família entra em estado de celebração. A mãe e dois irmãozinhos cantam um parabéns desencontrado e batem palmas, enquanto no berço o bebê chora assustado. É dia de festa na casa dessa família tão tipicamente brasileira.

Não vamos agora endeusar a pobreza, que tem mais é que ser combatida, nem demonizar a riqueza, que ser rico não é crime, embora muitas vezes gere o crime da omissão e da indiferença. Mas não deixa de ser tocante ver essa menina que aos doze anos admite nunca ter tido bolo de aniversário, e essa família para a qual a simples presença de uma torta de chocolate é motivo de comemoração.

Está muito longe — e o mais certo é que não chegue nunca — o dia em que todas as crianças brasileiras terão pais presentes e presentes de aniversário. Por enquanto, louvemos as boas almas, aquelas ainda capazes de sair de trás do balcão da indiferença e se mover para tornar especial um dia que, sem elas, estaria condenado a se perder na sucessão de dias insignificantes e sombrios.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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