Eles e nós

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 06 de janeiro de 2021

Como atiram mal policiais e bandidos americanos!

Não é desfazer dos nossos, mas presidentes cinematográficos são os americanos. É só assistir a dois ou três filmes de aventura para chegar a essa conclusão. Tem filme em que The President entra no Number One e parte para enfrentar terroristas ou alienígenas só com a cara e a coragem e o apoio da plateia. De fato, não demora muito e os céus se enchem de explosões, enquanto, ao som de alguma música triunfante, o herói volta para a Terra, onde o esperam os aplausos de seus compatriotas e o abraço da primeira-dama. Tem filme em que potências estrangeiras armam longos planos para matar o homem e, na hora agá, um segurança se mete entre a bala fatal e o peito presidencial, o qual sai de cena com uma rapidez de fazer inveja a Usain Bolt. Terrorista se dão ao trabalho de passar anos planejando uma cilada, subornando seguranças e se infiltrando entre os convidados para o baile na Casa Branca. E, nos dez minutos finais da história, acabam descobertos por um faxineiro distraído ou por uma humilde secretária.

Mas também há coisas em que eles são piores do que nós. Novamente podemos encontrar comprovação nos filmes. Quantos filmes você já viu em que os bandidos — presos com justiça —, ou o mocinho — injustamente preso —fazem o maior sacrifício para escapar da prisão? É tanto cavar túneis, arrombar paredes e pular muros que metade da sessão se gasta nessa trabalheira. Método também muito usado e bem mais prático é atrair o guarda para perto da cela e dar-lhe uma gravata mortal. Depois, é acomodar-se na sela de um cavalo que estava dando bobeira do lado de fora ou ligar o carro que algum descuidado tinha deixado ali por perto, com a chave na ignição e tudo mais. E aí, basta desviar-se dos tiros e ganhar o mundo. Aliás, como atiram mal policiais e bandidos americanos! Quatro ou cinco deles descarregam suas metralhadoras contra o fugitivo e nenhuma bala o atinge, nem de raspão. Já o carro, coitado, fica mais furado do que uma peneira, se me permitem usar essa expressão antiga. Mas, se é o mocinho que está fugindo, basta que ele dê um tiro para trás e dois ou três dos seus perseguidores vão direto para o céu — se é que existe céu para bandidos.

Quanto aos nossos bandidos... é outro nível. Nem precisam sair da prisão, porque de lá mesmo tocam seus negócios, por meio de celulares ou pombos-correios. E caso resolvam arejar as ideias ou rever os amigos, saem pela porta da frente, geralmente por descuido de quem os vigiava e que depois exclama, sinceramente surpreso: “Mas ele tava aí ainda agorinha! Como é que esse cara sumiu assim no de repente?!” E, no caso extremo de um ou mais presos precisarem cavar um túnel para ver o sol lá fora, ninguém vai aborrecê-los, querendo impedir a conclusão da obra.

A política é outra atividade em que estamos à frente dos americanos. Com toda a tecnologia que têm, eles levam semanas para saber quem ganhou a eleição. Pior ainda: nem sempre é o mais votado que leva.  Aconteceu com Hilary Clinton, aconteceu com Al Gore, que ganharam nas urnas, mas perderam no Colégio Eleitoral. Nós, não. Nós sempre damos posse ao mais votado, embora frequentemente o tiremos do cargo antes da hora. Mas no mesmo dia da eleição, à noitinha, ficamos sabendo quem vai nos governar. E até houve uma época em que, com meses de antecedência, o povo era informado de quem tinha vencido a eleição, e por acaso era sempre um general.

Eles têm suas virtudes e seus defeitos, nós temos nossos defeitos e nossas virtudes. A diferença é que nós os adoramos ingenuamente, e eles solenemente nos ignoram.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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