A relação entre o município e a 151ª DP poderá ficar estremecida. Isso porque na última semana, a Secretaria Municipal de Saúde, em conjunto com o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), elaborou um ofício para ser encaminhado ao delegado titular de Nova Friburgo, Henrique Pessoa, solicitando que ele oriente os policiais militares e civis para que somente procedam o requerimento de declarações de óbito - de pessoas falecidas em casa - aos plantonistas do Hospital Municipal Raul Sertã, exclusivamente em caso de ser constatada a morte natural “ou quando houver ficha de atendimento ou prontuário médico da pessoa no hospital, situação que caracterize o fato, não se enquadrando nessa hipótese o falecimento inesperado ou sem causa evidente e, óbvio, por acidente”. Ou seja, o município afirma que os médicos do Raul Sertã não podem emitir atestados de óbito de pacientes falecidos fora da unidade, sem suporte médico.
Segundo apurou a reportagem com uma fonte que já foi ligada à prefeitura, o comunicado – que ainda não foi entregue ao delegado, mas ao qual tivemos acesso – faz referência à supostas determinações do delegado para que os médicos do Hospital Raul Sertã atestassem óbitos ocorridos fora do ambiente hospitalar. Os médicos não estariam confortáveis em emitir o laudo em vítimas cujas causas da morte eram desconhecidas e sem qualquer informação do histórico de saúde do paciente ou que não tivesse tido o acompanhamento por profissionais do município.
De acordo com a nossa fonte, essa situação acontece em Nova Friburgo há cerca de um ano e meio e já foi motivo até de uma reunião entre o prefeito Renato Bravo, membros da Secretaria de Saúde e da direção do Hospital Raul Sertã, o delegado Henrique Pessoa e o então comandante do 11ºBPM, Paulo Roberto das Neves, para tentar um acordo, mas que não surtiu efeito.
Recentemente, os médicos do hospital teriam se recusado a atestar o óbito de uma vítima por não estarem seguros da causa da morte. Segundo informou nossa fonte, afirma que o delegado se baseia na resolução 1.779/2005, do Cremerj, em que a entidade não recomenda ao médico atestar um óbito suspeito sem a sua segurança. Ainda segundo nossa fonte, “o delegado insiste que o médico pode sim atestar em causa indeterminada”.
Já no artigo 114 a resolução diz que é vedado ao médico “atestar óbito de um paciente quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto, ou em caso de necropsia e verificação médico-legal”. No artigo 115, recomenda “deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta”.
“Nos últimos dias os médicos se posicionaram em relação a isso”, enfatizou a nossa fonte. Em um caso recente, policiais civis e militares teriam garantido aos profissionais que o óbito em questão não era por trauma, mas os médicos não tiveram a certeza. Teria acontecido, então, uma tentativa de obrigar os profissionais a emitirem o atestado de óbito. Diante da negativa os médicos teriam sido conduzidos, dias depois, a prestar esclarecimentos na 151ª DP.
A posição do Cremerj e da prefeitura
Por conta desses acontecimentos, o secretário Municipal de Saúde, Marcelo Braune, com o apoio da direção médica do Hospital Raul Sertã e do representante do Cremerj, Marcelo Orphão, elaboraram um ofício. Em nota, o Cremerj se manifestou informando que está ciente e tem agido em todos os recentes acontecimentos, envolvendo os médicos plantonistas do Raul Sertã, sobre a emissão de Declarações de Óbitos de pacientes falecidos fora do ambiente hospitalar, sem suporte médico. “Todos os casos têm recebido a atenção e o acompanhamento da nossa assessoria jurídica e da coordenação das delegacias, que estão trabalhando para corrigir algumas atitudes e posturas, em desacordo com as leis vigentes.”
O Cremerj ainda explicitou sua solidariedade aos colegas envolvidos e informou que está tomando providências enérgicas, com o objetivo de proteger o trabalho médico e seus executores, estudando as formas legais de impedir o que considerou “desagradáveis acontecimentos”.
O diretor médico do Raul Sertã, José Cláudio Alonso, criticou a decisão do titular da 151ª DP. “O delegado vem extrapolando sua função como representante do Estado ao assediar médicos e funcionários que se encontram de plantão, já angustiados com o que tem em seu dia a dia e que nossa função já obriga a conviver. A questão de óbitos ocorridos em residências e a priori de causas não violentas, são de atribuição do poder público constatar, após averiguar em um serviço de verificação de óbito. Não pertence a médicos de plantão, ainda que em setor público, realizar constatação de cadáveres levados ao hospital para tal”, argumentou o diretor do hospital.
Ainda de acordo com Alonso, o delegado constrange os profissionais, baseando-se numa portaria do Estado que não tem força de lei. “É absurda a ideia de tirar médicos de um setor já carente, assoberbado de queixas, para ir constatar óbitos porque o Estado brasileiro, não cumpre seu papel de prover a população do importante serviço de verificação de óbito. O delegado, que vem praticando atos de abuso de autoridade, conduções coercitivas ilegais e assédio, deveria buscar junto aos órgãos competentes a solução da construção e instalação de um serviço de verificação de óbito”, completou.
O diretor também alertou para os riscos da ausência dos médicos na unidade. “Dia destes, para ilustrar os riscos a que fica exposta a população, se atendêssemos à pressão colocada pelo mesmo (delegado), teria talvez ido a óbito um paciente que no mesmo momento, solicitara a ambulância para buscá-lo em casa. O hospital tem como função socorrer estes casos, os médicos de plantão devem atender pacientes e não constatar óbitos externos ao seu serviço e nem buscar corpos”, finalizou.
O comandante do 11º BPM, Tenente-Coronel Alex Soliva, informou que está a par da situação e vai tentar organizar uma reunião com as partes envolvidas para chegar a uma solução. O delegado Henrique Pessoa informou que continuará requisitando aos profissionais do Raul Sertã a realização dos atestados de óbitos fora do ambiente hospitalar. “Não obstante o nosso profundo respeito aos médicos e aos entes municipais, a Polícia Civil se baseia em normas administrativas oriundas do Ministério da Saúde, Código de Ética Médica, resolução conjunta expedida pela Secretaria de Estado e Saúde e Chefia da Polícia Civil do Estado do Rio, de tal modo que continuaremos a proceder da mesma forma”, informou.
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