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Você está repetindo no presente o que viveu no passado?
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
Maria nasceu no interior, sendo a mais velha de cinco irmãos. Sua mãe cuidava da casa, seu pai era empregado numa fazenda e tinha problemas com a bebida. A epidemia é tal que até 17% dos homens na população em geral e 8% das mulheres cumprirão os critérios de alcoolismo durante a vida. (https://www.alcohol.org/statistics-information/ )
O pai de Maria piorou na bebida, agredindo filhos e esposa e um dia decidiu expulsar sua mulher de casa. Maria o odiava e referia-se a ele como “bêbado malvado”. Ela ía para um canto da casa, nos seus 8 anos de idade, tremendo de medo ao ver seu pai chutando os irmãos e gritando com a mãe dela. Ao ele berrar que a esposa sairia de casa, as crianças se agarraram na saia dela, suplicando para não ir. Ela saiu, ameaçada pela violência do marido.
Alguns irmãos foram morar com parentes e Maria ficou com o pai, crescendo cheia de amargura e ódio por ele pelo que ele havia feito com a família. Aos 20 anos de idade ela se casou e ficou anos sem notícias dele. Um dia ele apareceu procurando por ela. Ele estava mudado. Havia recebido ajuda emocional e espiritual e procurava cada filho para uma reconciliação. Maria havia jurado que não falaria com ele. Não usava mais a palavra “pai”, referindo-se a ele como “aquele cara”. Ela não queria reconciliação. Queria distância dele. Havia tomado a decisão de não ser igual a ele no lidar com os filhos. Ela tinha três filhos agora. E lidava com eles de maneira ditatorial, agredindo-os com palavras duras, tão dolorosas quanto às de seu pai no passado. Ela não percebia isto. Será que não queria perceber? Nunca perdoava, nunca pedia perdão. Implicava com Teresa, sua filha do meio, gerando nela revolta e rebeldia.
Na adolescência Teresa se envolveu com drogas e a mãe a expulsou de casa. Alguns filhos do meio têm problemas emocionais complicados porque em geral o mais velho recebe afeto especial por ser o primeiro, e o mais novo por ser o caçula. O do meio fica meio perdido. Após um casamento complicado com um dependente químico, Teresa teve José, que ao chegar na adolescência não aguentava mais as implicâncias da mãe porque ele usava cabelo comprido, óculos escuros o tempo todo e não comia carne. E ela que tinha sido hippie! Ela não controlava sua irritabilidade exagerada e sempre agredia verbalmente o jovem filho adolescente.
Aos 18 anos José se juntou com uma mulher mais velha que ele dez anos. Será uma moda isto? É sintoma de algo? Estão copiando algum personagem de novela? Ele se separou dela oito meses depois, dizendo que ela implicava demais com ele. Igual à mãe dele? É possível casar com alguém muito diferente do pai ou mãe em termos de personalidade? No segundo relacionamento de José, sua mulher sofria porque, dizia ela, ele ficava facilmente irritado e a destratava com palavras duras, embora não a agredisse fisicamente como o avô fazia com os filhos e a esposa. A repetição do comportamento entre gerações nem sempre ocorre igualzinho.
O pai de Maria, Maria mesmo, sua filha Teresa, o filho José, cada geração repetindo o mesmo comportamento emocional, com diferenças, mas o mesmo problema central: amargura, rispidez, abuso verbal. Parece um defeito no DNA passado geneticamente, não é? Mas felizmente a genética não explica tudo. Alguns neurocientistas afirmam que a genética é responsável, no máximo, por cerca de 40% do que nos tornamos como pessoa. Ela não determina inevitavelmente nosso comportamento. Existe o aprendizado, a escolha, a capacidade de raciocínio, a epigenética, o livre arbítrio e é isto o que pode levar à neutralizar as tendências hereditárias genéticas e aprendidas, para doenças do comportamento.
Temos que repetir a história do passado? Sim e não. Sim, pelo poder da influência hereditária e cópia do modelo observado durante a infância dos adultos com quem a criança viveu. Não, porque a genética não nos obriga a, inevitavelmente, repetir os mesmos comportamentos. Se assim fosse, por exemplo, todo filho de alcoólico teria que ser alcoólico, apesar de que a ciência comprova que filhos de pais com alguma compulsão têm maiores chances de desenvolverem talvez a mesma compulsão comparados com filhos de pais sem compulsão por qualquer coisa.
Evitar repetir a história ruim do passado requer: 1 - lembrar dela ao invés de fugir da mesma como se nada de ruim tivesse ocorrido; 2 - observar com sinceridade e honestidade o próprio comportamento para ver se e como ocorre a repetição de atitudes desagradáveis que você jurava que nunca iria ter com as pessoas; 3 - ao perceber seu comportamento destrutivo herdado e cultivado, decidir lutar para mudá-lo por ver que ele está destruindo relacionamentos, e 4 - agir, fazer, atuar, treinar conscientemente o novo comportamento saudável.
Você muda quando você muda. As pessoas ao nosso redor (filhos, marido, esposa, esposo etc.) não têm culpa dos problemas de nosso passado. Não temos o direito de estressar a vida delas por causa de nossos conflitos vividos em nossa família de origem. É difícil mudar. Mas tem jeito. O pai de Maria conseguiu.Os nomes citados aqui são fictícios.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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