Conte-me a verdade

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

sábado, 13 de junho de 2020

“ - Conte-me a verdade, mas se possível, fale com palavras suaves para que não perca meu lampejo de esperança.” Assim pediu o senhor ao neto que chegara à sua casa com informações recentes sobre economia, política e saúde pública. O neto, pôs-se a pensar sobre estranho pedido do avô, afinal, como contar-lhe a verdade sobre o mundo de forma a nutrir alguma esperança? Ele não sabia fazê-lo. Não estava preparado.

Infelizmente, o neto crescera em um contexto em que a tecnologia é o caminho das verdades postas, não se acostumou a pensar em fontes de informação, sequer havia até aquele momento pensando sobre quem seriam as mentes e as mãos a escrever todo aquele conteúdo que ele consumia pelas telas. Não sabia, também, contar os fatos que chegavam até ele de uma forma leve. Ele não foi ensinado sobre ser sincero e gentil ao mesmo tempo. Cresceu ouvindo dizer que o bonito é “falar as coisas na cara, doa a quem doer”. E pasme, sem saber, orgulhoso, empregava sua franqueza sem ao menos saber se trazia verdades.

Também não aprimorou, o jovem, a nutrir esperança. Nem a dele, nem a de ninguém. Entendeu que mesmo o que era esperança ele não sabia, senão o significado vazio da palavra. Pobre jovem, aprendeu pouco sobre coisas tão importantes.

Constatando que o neto seria incapaz de trazer informações verdadeiras sobre tais assuntos e contar-lhe de forma gentil sobre o mundo, sem perder o afeto e a esperança em sua fala, o avô preferiu dialogar pouco com ele. Preferia apenas tomar o chá, ler o jornal e observar a natureza, como forma de afastar dele não o neto, mas a avalanche de dados desencontrados que ele gostava de despejar todos os dias ao chegar em casa. E o fazia até animado, agitado, com uma certa empolgação, deixando o avô por vezes até preocupado.

Dentro de si, além das preocupações com o mundo, com a saúde, com a família , temia pela geração daqueles jovens que pouco liam, pouco acessavam a arte, pouco refletiam, pouco dialogavam. Temeu por crescerem sem esperança. Temeu por não ser uma questão do seu neto e sim de uma geração inteira.

Em vista do seu amor pelo jovem, utilizou das boas técnicas antigas usadas por sua avó com ele décadas antes. Criou o momento deles. Só os dois. Com calma. Polindo a paciência de ambos. Pôs-se a sentar todos os dias com o jovem.  Dialogar. Propôs-se a abrir sua mente para entender esses novos conceitos dessa nova geração. Aprendeu um bocado de coisas. E ensinou ainda mais. Os bate-papos entre eles trouxeram para aquela casa muito mais que aprendizados para ambos. Trouxeram o foco no que é essencial, a presença, a partilha, a construção de memórias afetivas, o entendimento e a evolução de ambos.

O menino aprendeu sobre esperança. E sobre o falar sincero e gentil, com a percepção verdadeira sobre o estado de espírito do interlocutor. E o avô, pasme, aprendeu até a mexer nas redes sociais e interagir com pessoas. Reencontrou velhos amigos e ria da barriga doer relembrando casos antigos pela internet.  E seguiram, juntos, após esse pontapé que nasceu da percepção, reflexão e vontade de uma frase que continha ao mesmo tempo, verdade, gentileza e esperança.

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Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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