Tempo de guardar e ser guardado

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 03 de janeiro de 2022

 

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:

Para guardá-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

Gosto desse poema de Antônio Cícero. Gosto de guardá-lo em meus
pensamentos e, sempre quando olho ou toco algo que me sensibiliza, recito-o
baixinho, só para escutar. É bom resguardar o que nos enriquece ou que nos
faz ser o que somos. São bens que não podem ser esquecidos ou perdidos.
Está sobre minha escrivaninha um peso que era da Dona Lourdes, uma
vizinha a quem estimava e que faleceu com quase cem anos. Sua filha, Leda,
pediu para que eu escolhesse algo da casa da mãe para guardar de
recordação. Escolhi um peso de vidro com flores desenhadas ao fundo, na
certeza de que a energia da Dona Lourdes me iluminaria quando estivesse
produzindo textos ou fazendo qualquer outra coisa. Ela me incentivava nas
conversas quando tomávamos um cafezinho com bolo ou biscoito em sua sala.

Sempre que conversávamos, admirava sua firmeza de opinião, inteligência e
consideração pelas pessoas. Ah, eu era uma delas.
Guardo em vários cantos do meu quarto os bilhetes que recebi da
mamãe, da minha filha e de amigos. Enquadrei alguns, como um que escrevi
para mamãe, quando tinha oito anos, em que lhe ofereci meu coração de
criança. E da minha filha em que me deseja amor. Um está do lado do outro,
bem na minha frente.
Estou cercada de guardados!
Assim, movendo meu olhar entre minhas relíquias, espero que em 2022
possamos cuidar dos nossos guardados e fazer tantos outros. E sermos
guardados pelos 360 dias que vão nos acolher.

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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