Reflexões sobre o tempo

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 06 de abril de 2020

Com a tão repentina chegada do Corona Vírus, as paredes serenam e não mais limitam a vontade irresistível de ultrapassá-las. Aos poucos, vão se tornando resignadas companheiras durante o isolamento, ficando solidárias a este modo de estar solitário. Tão silenciosas como o tempo que circula entre elas, que não mais transpassa suas estruturas rígidas, deixando pensamentos, emoções e afazeres bailarem nos espaços vazios. O tempo se torna inexistente como, de fato, é. A quietude das paredes, então, passa a mostrar a verdade que as pessoas fazem questão de não perceber: o tempo não existe.

Aristóteles afirmou que o homem precisou criar os calendários, as horas e os minutos para evitar o caos, mas os animais não usam relógios porque não sentem necessidade em organizar seus dias; eles o vivem. Ah, os pirilampos ficam fosforescentes ao anoitecer e não precisam de alarmes que lhes avisem que está na hora de se apagarem; o nascer do sol lhes é suficiente. As cigarras, ao sentirem o calor do verão, cantam operetas nas árvores. A Dama-da-Noite exala perfume quando as estrelas enfeitam o céu.

Esse vírus nos fez retirar a palavra tempo do vocabulário porque agora sentimos o jeito dos momentos pelo o que sentimos e fazemos. Para alguns pode ter o ritmo do sapateado, para outros o som do canto do rouxinol. Ainda há quem sinta o sabor do azedo quando o vivenciam. A vida se realiza no vai e vem do acontecer, como a espuma do mar que desaparece na areia. Nada se repete e tudo se faz de novo. Acordamos para um amanhecer diferente e nunca comemos a mesma torta de maçã.

A vida acontece do brilho da lua cheia ao quarto minguante, como a gota d´água que brota na nascente e rio abaixo vai, deslizando em corredeiras, despencando em cachoeiras, batendo em pedras, descansando em poços. Até no mar desaguar. 

A ciranda da vida roda sem pedir consentimentos. Cada um vai sendo e fazendo sua história. Com o gosto de mel ao de fel, cada um vai regando suas hortas, trabalhando nas colheitas, temperando e degustando as refeições.

O covid 19 nos mostra que em qualquer instante pode haver uma caixa de surpresa. Nestas épocas de pandemia, quando a tampa abriu, escutamos os ruídos do trovão. Mas, amanhã, queremos ver os raios de sol.  


 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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