Assim não dá para continuar

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Faz tempo que li o Ponto de Mutação (1982), de Fritjof Capra, filósofo e
escritor austríaco. Também autor de O Tao da Física (1975). Eu me lembro
que, na época, o livro, bastante debatido pelas suas inéditas ideias, aborda as
mudanças intensas que o planeta vem sofrendo. Sua obra é influenciada pelo I
Ching, O Livro das Mutações, que descreve, através dos oráculos, a dinâmica
entre Yang e Yin. A força da energia de yang, o masculino e ativo, certamente
muito mal utilizada, construiu os métodos de dominação e exploração que
devastam o planeta e reprime o Yin, o feminino, criativo e intuitivo. Tal dinâmica
estruturou um modo de pensar que provocou o desmatamento, a poluição, a
escravidão humana e animal. O momento que vivemos hoje, marcado pela luta
do mundo contra um microscópico organismo, o coronavírus, o Covid 19, está
fazendo com que as cidades do planeta parem e as pessoas se recolham, é
decorrente deste modo de conceber a vida humana na Terra.
Mais do que nunca, acima de divergências políticas, interesses
econômicos e guerras, este minúsculo vírus exige uma ação conjunta de todos
os povos para eliminar a sua ação devastadora, que coloca em risco a
existência humana no planeta, principalmente a dos idosos.
A compreensão da vida requer uma perspectiva ampla. Entretanto, hoje,
este entendimento tende a ser simplificado e repartido. A força da modernidade
nos induz a tê-lo, mesmo que seus propósitos, veiculados pelos quatro cantos
da Terra, ainda possam ser divergentes desta premissa. O planeta, os povos, a
natureza são indissociáveis; tudo está intimamente interligado. Nada é
individualizado; tudo está suscetível à dinâmica do todo, fazendo-se necessário
conhecer profundamente as formas de existências físicas e naturais em sua
totalidade.
Hoje, caminhando pela mata, o pensamento de Capra me fez pensar nos
modos como a natureza vem preservando a vida há milhares de anos. A
natureza sabe proteger cada vida sua. É sábia quando a folha de uma árvore
não cai imediatamente no solo quando morre; há um tempo para se desprender
do galho e tombar no chão. Por sua vez, a terra a absorve, deixando-se

adubar. Os frutos são comidos pelos passarinhos, cujas sementes, através das
fezes, germinam o solo. Cada gota de orvalho umedece a terra, penetra no
solo e alimenta o lençol freático. As matas ciliares protegem os rios, enquanto
suas águas regam a vegetação que as protegem. O bater das asas de uma
borboleta interfere em todo o ambiente natural. Tudo tem sentido e harmonia.
A natureza é de uma imensa simplicidade. Porém conhecê-la decorre de
um saber sofisticado que tem por finalidade exercer interferências na política,
na economia e nos modos de viver dos povos. É um domínio intelectual que,
de todo e qualquer modo, tem de estar voltado para o bem-estar da população.
E nem sempre isso acontece.
A construção deste saber é responsabilidade das ciências. É dos
governantes o compromisso para com ações respeitosas, sejam políticas,
econômicas, ideológicas ou religiosas. Cabe a cada um dos habitantes da
Terra a preservação da vida, seja humana, animal e vegetal. Inclusive a dos
seres brutos, como as montanhas e rochas.
Infelizmente, a vida humana do planeta ainda não está educacionalmente
preparada para adequar-se à natureza que o acolhe. Certamente, este
momento será um aprendizado. Além de sofrido, custará a vida de muitos,
especialmente daqueles que ainda possuem uma experiência e um saber a
transmitir aos mais novos.
Inesperadamente, o momento de mutação invadiu os horizontes. Ao
admirar um passarinho pousar numa exuberante folha de uma samambaia do
mato, entendi que o surgimento deste vírus é mais uma sábia maneira da
natureza nos dizer que assim não dá para continuar.
Salve Fritjof Capra!

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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