Noite de autógrafos

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 18 de abril de 2023

─ Olha lá! Olha lá! Será que é ele mesmo, Astrênio?

─ É ele sim, Dalvinéia! Ele já tá até rascunhando as dedicatórias!

─ Ainda bem que a gente chegou na frente... Meio cedo, mas também assim a gente evita a filona que vai ter daqui a pouco.

─ É, esse prédio tem entrada, porta e escada pra tudo quanto é lado. Se a gente não chega cedo, ia mais era se perder. Capaz que nem chegasse a tempo.

─ Ainda bem que a gente comprou o livro antes. Vamos lá, aproveita que ele tá sozinho.

─ Com licença... Boa noite, professor. A gente já trouxe o livro, professor.

─ O livro? Ah, já sei...

─ A gente queria, professor, que o senhor fizesse uma dedicatória bonita... Nós somos seus fãs de carteirinha.

─ Ah, sim! Pois então...

─ Nada de modéstia, professor. O senhor acredita que minha cunhada Marilice engravidou lendo seu livro “Como ser feliz no casamento apesar do marido”? Deu certinho! Antes da página quarenta ela já tava de barriga!

─ Astrênio, fala pra ele daquele teu amigo! Bebia que nem gambá, vivia mais apertado que piolho em pente fino. Ele leu a obra-prima “O problema não é beber, é ficar bêbado”. Não parou de beber, mas agora anda numa alegria que até irrita a gente.

─ Pra falar a verdade, a gente ainda não leu nenhum livro seu, professor. Vamos começar com esse aqui: “Nem mesmo no céu tudo são flores”. Estamos sendo sinceros. O senhor não acha que todo mundo deve ser sincero?

─ Achar eu acho, só que...

─ Tem uns críticos analfabetos por aí que dizem que isso tudo é alto-ajuda de má qualidade, que o senhor é o rei do lugar-comum, mas eu e a Dalvinéia achamos que o senhor tinha mais era que estar na Academia, no lugar do tal Carlos Drummond de Andrade, que ninguém sabe quem é.

─ Daqui a pouco chega a multidão, então a gente veio cedo pra ter essa conversa de coração com o senhor, é ou não é, Astrênio?

─ É... De coração. Professor, faz aí a dedicatória. “Para Dalvinéia e Astrênio. Que a vida lhes seja leve como uma pétala de flor soprada pelo vento suave”. Ficou bonito, não ficou?

─ Ficou, mas eu preferia...

─ Hi, professor, não precisa esquentar cabeça! Essa dedicatória eu e a Dalvinéia gastamos quase um caderno inteiro, merece ser escrita.

─ Bem, não me custa nada, no entanto... Eu gostaria...

─ Outro dia vi o senhor na televisão. Quer dizer, ver, não vi, o senhor já tava saindo de costa, mas só o “boa noite” que o senhor deu já foi uma lição de vida.

─ Professor, o senhor não sabe a luta que foi chegar aqui na frente dos outros... Esse prédio tem não sei quantas entradas. Escreve aí e assina, professor.

─ Bem, já que vocês insistem. Lá vai: Para Dalvinéia e Astrênio. Que a vida lhes seja leve como uma pétala de flor soprada pelo vento suave. João Raimundo Mosteiro.

─ Ué! Que história é essa de Mosteiro, professor Antônio Félix Carranca?

─ Mosteiro sou eu. O Carranca está lançando um livro no outro lado do prédio, terceiro andar, sala 3001.

─ Cara... Caramba! Por que não falou logo que não era o escritor! A gente aqui gastando tempo e saliva... Vai ver que o verdadeiro Carranca até já foi embora...

─ Eu tentei falar... Vai lá e pede a ele para assinar embaixo. Aliás, quem geralmente assina por ele é a secretária. Vai lá que, se o Carranca já foi embora, a secretária assina pra vocês. É tudo a mesma coisa. Boa Noite. E que a vida lhes seja leve... etc. e tal.

─ Cada picareta que a gente encontra, hem, Dalvinéia? Um professorzinho qualquer, se fazendo passar por escritor. Picareta!

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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