Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana
Fernanda

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Essa carência brasileira que Nélson Rodrigues chamou de nosso complexo de vira-lata
Não tenho acompanhado isso muito de perto, mas parece que sai nos próximos dias o resultado do Oscar. Eu até podia deixar para escrever mais tarde, quando já soubermos quem são os vencedores. Mas não é tanto isso que me importa, embora eu esteja torcendo pelo filme brasileiro e por Fernanda Torres, sabendo a importância e a repercussão desse prêmio. Achei “Ainda estou aqui” um filme tocante, extremamente bem feito, merecedor de quantos prêmios vier a ganhar (já são trinta e oito no exterior). Quanto a Fernanda Torres, parece que foi necessário todo esse sucesso internacional para o Brasil descobrir a grande atriz que tem (e sendo filha de quem é).
Recentemente vi uma declaração da americana Glen Close, que concorreu ao Oscar com a outra Fernanda, a Montenegro. Ambas perderam para uma estrela modesta, que depois ficou mais ou menos esquecida. Glen Close disse não ter se importado em perder, e que ter concorrido já era uma honra. E acrescentou: “O que eu não entendo é como o prêmio não foi dado àquela excelente atriz brasileira”.
Antes de continuar, lembro que Fernanda Torres é também ótima escritora, com dois livros que bem merecem ser lidos: “Fim” e “A glória e seu cortejo de horrores”. Mas o que eu queria mesmo falar é sobre essa carência brasileira que Nélson Rodrigues chamou de nosso complexo de vira-lata. Se a famosa estatueta vier ou não para o Brasil, isso muda a qualidade do filme ou da atriz? Não basta que milhões de brasileiros tenham gostado? Não basta que algo seja bom e significativo para nós, ainda que só para nós? É preciso a chancela dos outros, sobretudo a dos americanos? Temos escritores, músicos, cientistas, professores em vários lugares do mundo, realizando trabalhos notáveis e reconhecidos lá fora, mas que nada significam para nós porque não receberam esta ou aquela premiação estrangeira (ou não ficamos sabendo que receberam).
Desde “Os cangaceiros”, o cinema brasileiro vem acumulando dezenas e dezenas de troféus internacionais. “Orfeu Negro”, 99% brasileiro, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas concorreu como francês, porque o produtor e diretor eram franceses. De nada adiantou ter nos créditos nomes como Vinícius de Morais, Tom Jobim, Luis Bonfá, Breno Melo, Léa Garcia, Lourdes de Oliveira e tantos outros. José Saramago achava que Jorge Amado era o escritor de língua portuguesa que deveria receber o Nobel de Literatura. Quantos levaram o Prêmio Nobel da Paz, ainda que contribuindo menos para ela do que os indicados e ignorados Zilda Arns e Dom Hélder Câmara?
Outros povos reverenciam seus machados de assis, seus ruis barbosas, seus castros alves, suas cecílias meireles, nós os consideramos de segunda linha. Afinal, não escreveram em inglês ou, pelo menos, em francês, em espanhol que seja. João Ubaldo Ribeiro, para ficar em um só exemplo, recebeu pelo menos oito grandes prêmios, inclusive na Alemanha e na Suíça, sem falar no conceituadíssimo Prêmio Camões. Não mencionarei Guimarães Rosa, basta dizer que um tradutor alemão levou nove anos passando “Grande Sertão – Veredas” para o seu idioma. Recentemente uma influenciadora americana leu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Saiu gritando que era o melhor livro do mundo e que ia estudar português para ler no original.
Mas nada disso vale nada. Se não ganharmos o Oscar, continuaremos com nosso complexo de vira-lata e achando nosso cinema um fracasso e nossos atores uns canastrões.

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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