De roupa branca

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 05 de março de 2024

Não é fácil se conseguir um bom cargo, quando outros cidadãos, todos mal-intencionados, estão querendo a mesma coisa

Sujeito de sorte esse tal de Putin! Está no poder há 23 anos sem que ninguém chegue tão vivo e inteiro ao dia da eleição que possa enfrentá-lo. Verdade que de vez em quando alguém tenta se candidatar ou se atreve a criticá-lo. Mas, sendo ele um sujeito de sorte, como de fato é, coisas improváveis em outros países são mais ou menos corriqueiras na Rússia. Em geral, a Justiça “descobre” um motivo que impede a candidatura de qualquer pretenso adversário. Mas às vezes é o próprio Destino que se antecipa à Justiça, como acontece quando o candidato cai da janela do prédio onde estava sendo interrogado. Não que a culpa seja da polícia, a vítima é que teve a imprudência de sentar-se na janela do quinto andar. Ficou tonta e despencou lá de cima, deixando o desconsolado Putin sem adversário com quem possa debater na televisão. Outros preferem morrer na prisão, de repente, sem mais nem menos. Sem falar nos que vão para o exterior, mas são envenenados na rua por algum desconhecido que aleatoriamente os escolhe e os cutuca com a ponta de um guarda-chuva.

Enfim, não são poucos os países onde se realizam eleições livres, mas quem está no poder sempre vence, geralmente sem concorrência. Não é um exemplo a ser seguido, muito pelo contrário, mas também não é nenhum bom exemplo o que acontece em outros lugares, onde o sujeito tem que suar a camisa para se eleger. E suar a camisa não é aí simples metáfora. O candidato tem que beijar criancinha pobre, subir em palanque com partidários que odeia, desfilar em carro aberto com gente que nunca viu. Enfim, não é fácil se conseguir um bom cargo, quando outros cidadãos, todos mal-intencionados, estão querendo a mesma coisa.

E se fosse apenas suar a camisa! Também é preciso gastar uma monstruosidade de dinheiro que, embora saindo do bolso do povo, e não do candidato, é sempre um dinheiro que melhor ficaria se guardado em algum paraíso fiscal ou aplicado na compra de uma ilha. Às vezes é necessária a aquisição de um jatinho, porque as distâncias são grandes e não dá para fazer campanha andando de bicicleta ou em lombo de burro. E as despesas com marqueteiros e assessores! Também fica caro montar uma equipe de fofoqueiros, difamadores e fabricantes de fake news. Enfim, um sacrifício sem nome.

No entanto, a tudo isso sobrevive o sonho e a esperança – mais ainda: a certeza de que existem formas realmente limpas de escolha dos governantes. Lembremo-nos da origem da palavra “candidato”. Sabemos que ela vem do latim candidus ou seja, cândido, puro, imaculado. Daí, cadidatu, porque na Roma antiga os que se habilitavam a um cargo público vestiam-se de branco para simbolizar a pureza de sua vida e de suas intenções.

Não esperemos por anjos, que esses estão nos céus e muito raramente dão uma passada por este mundo. Mas não podemos desistir de escolher homens e mulheres de bem, que, não sendo anjos, ao menos sejam honestos e competentes. É o mínimo que devemos esperar dos candidatos. E nem exigimos que se vistam de branco durante a campanha.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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