O amor cabe nas horas que passam pelo relógio

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Vou escrever um conto em que abordarei o amor e estou com os sonetos
de Shakespeare nas mãos. “Em ti, toda verdade e beleza findam.” (soneto 14).
Esta é uma das notáveis definições de amor que o bardo me oferece. Há dias
penso a respeito e chego a conclusão de que o amor é a mais pura emoção
que nos atravessa e perpassa as experiências que temos no dia a dia. A
poesia, manifestação literária que exclama a voz da alma, consegue dizê-lo de
diferentes maneiras.

“De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior engano
Dele se encante mais meu pensamento.”
Vinícius de Moraes

Do amor-próprio ao transcendental, é possível identificar maneiras
saudáveis de amar. Mas será que podemos encontrar um único conceito, se
cada um o sente e expressa-o de uma forma peculiar?
Bell Hooks ao refletir sobre o amor no ensaio de sua autoria “Tudo sobre
o amor: novas perspectivas”, enaltece a definição do psiquiatra M. Scott Peck.
O amor é “a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio
crescimento espiritual ou o de outra pessoa. (...) O amor é um ato de vontade
— isto é, tanto uma intenção quanto uma ação.”
Não se guardam sentimentos em gavetas ou em redomas de vidro. O
amor é o mais popular dos sentimentos e surge a qualquer hora e lugar. É um
gostar que está além das regras e juízos. Talvez seja por essa irreverência que
carregamos a amorosidade vida afora, que caminha de acordo com o tamanho
dos nossos passos e fortalece as atitudes pelas raízes que crescem em cada
um dos pensamentos e recordações; somos seres de memória.
O amor se concretiza nas decisões que antecedem as ações: sentimos,
pensamos e agimos com imediatez. O gostar não é dito, nem medido por
palavras, é vivido em plenitude. Se limitado à dimensão do discurso, inclusive

da poesia, é piegas e mentiroso. Aliás quem realiza o ato de amar, não
costuma dizê-lo. Saint- Exupéry verbalizou a concretude do seu amor pela rosa
no “O Pequeno príncipe”: “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas.
Mas eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”.
Quem conhece o amor sabe contar as horas no relógio, ver o dia
amanhecer e entender o calor da sombra. Quem ama não questiona a beleza,
sabe carregar fardos e tem sabedoria no olhar. Quem ama conhece o tamanho
das estrelas, faz do amor a sua arte mais poderosa, consegue viver duas vidas.
Quem ama transita da sorte ao azar, do oceano ao firmamento, da vida à
morte. Tudo é possível para domar as incertezas do amanhã. Isabel Allende
experimentou o amor em sua plenitude maior quando escreveu “Paula”!
Acredito que não seja possível compreender o amor pelo desamor,
apesar de tanto se contrastar tais afetos na cultura globalizada e imediatista,
que acaba por confundir o amor com o desamor. E aí está o mais comum dos
enganos.
Para finalizar, deixo para o leitor refletir um pensamento de Isabel
Allende. “Talvez a gente esteja no mundo para procurar o amor, encontrar,
perdê-lo, muitas e muitas vezes. Nascemos de novo a cada amor e, a cada
amor que termina, abre-se uma ferida. Estou cheia de orgulhosas tentativas.”

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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