Estar comigo é um momento de gentilezas

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 05 de junho de 2023

Tenho tido uma experiência saudável nas sessões de yoga tanto com o corpo, que está mais harmônico, quanto com o emocional, mais ágil. Não sei se são os adjetivos certos que podem resumir o meu estado efetivo de inteireza. Enfim...

Esta experiência me remete ao livro infantojuvenil que escrevi, “Um esconderijo atrás da minha franja torta”, em que a protagonista, Rebeca Luíza, tem um profundo encontro com suas emoções, sensações e percepções. Ao final da narrativa, ela conclui que não é mais menina; é adolescente, começando a ser mulher.

Nas sessões de yoga, a mestra Joana nos faz observar a nossa mais íntima instância através de uma jornada silenciosa e generosa. Os alongamentos são arrojados e nos desafiam, o relaxamento é meditativo e nos resgatam.   

Rebeca Luíza, diante do espelho, pergunta-se: “se a minha imagem no espelho fosse uma pessoa, nós seríamos amigas?”. Nos momentos de relaxamento e meditação, Joana nos pede gentileza para que nos adentremos, proporcionando-nos o aprendizado de nos sentirmos com delicadeza. Certa vez, tive a impressão de que estava entrando num interessante lugar desconhecido. Caminhava com tímidos passos alados e, com os olhos fechados, me via acordada, sem devaneios rebeldes e desejos delirantes. Depois de me ver diante de uma imensidão vívida, retornei mansamente ao quotidiano, querendo me dar as mãos num gesto parceiro, o que me permitiu olhar para outras margens. 

Assim, ao final das sessões de yoga, durante a meditação, não mais do que breves instantes, consigo tocar na pessoa que sou com ternura. É como se abrisse uma caixa de presente envolta em papel de seda e encontrasse possibilidades que estão escamoteadas e suscitam arremates. É uma reflexão que também me convida a encontrar alternativas que ainda preciso despertar. É um breve tempo que me faz constatar que não quero desperdiçar oportunidades de ser quem de fato sou. 

Lacan chama atenção para o “Tu és!”, ou seja, a afirmação que permeia as circunstâncias para que tenhamos determinadas características. Contudo, muitas vezes, atendendo à essa determinação, deixamos de ser o que somos. “Tu és!” tem a função de transformar modos de ser a partir do olhar do outro ou do grande Outro, o todo maior que nos rodeia.

O corpo, a mente e o espírito devem bailar a valsa da vida de modo a fertilizar a tríade: pensamento, palavra e ação. A yoga, tanto na meditação, como nas mais difíceis posições de alongamento, nos desperta para o destino que temos pela frente a construir.

 

“(...) Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.”

Clarice Linspector 

Um sopro de Vida, editora Rocco, 1999                  

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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