Medo e fuga da febre amarela

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Na virada do ano de 1849 para 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma devastadora epidemia de febre amarela. As estimativas indicam que 15 mil cariocas morreram desta doença. Com variável intensidade, a febre amarela provocaria mortes no Brasil praticamente a cada verão pelos 60 anos seguintes. Os médicos recomendavam no verão, durante a canícula, as cidades serranas como lugares mais seguros. A família imperial, assessores e políticos elegeram Petrópolis como refúgio. Nova Friburgo era igualmente o destino dos cariocas que fugiam do flagelo da epidemia.

Não se sabia a origem desta doença. Os cientistas se dividiam entre duas teorias. Um grupo acreditava que se tratava de uma doença contagiosa e transmitida diretamente de uma pessoa infectada para uma saudável. Por outro lado, haviam os defensores da teoria dos miasmas, ou seja, o que fazia as pessoas adoecerem eram a insalubridade e o ar “venenoso” por causa dos vapores emanados pelos pântanos, águas estagnadas, lixo e emanação de objetos pútridos.

Nesta coluna, vou tratar particularmente de uma epidemia que ocorreu bem próxima a Nova Friburgo e que realmente assustou a população. Foi a ocorrida no município de Cantagalo e que eclodiu em abril no ano de 1891. O mais patético foi que todos os vereadores da Intendência Municipal, como era denominada a Câmara Municipal na República, abandonaram o município. De acordo com o Jornal do Commercio, de 7 de abril de 1891, o povo abandonado pela Intendência reuniu-se e nomeou uma comissão de socorros públicos para acudir aos enfermos, enterrar os mortos, cuidar da desinfecção e de outros meios higiênicos.

O delegado era a única autoridade existente no município e auxiliava a comissão. Apenas três médicos acudiam a população e cuidavam da subscrição arrecadando dinheiro para auxiliar os indigentes. Abriu-se, então, um lazareto para os epidêmicos. A desolação era extrema. A população socorria-se mutuamente. O jornal A República, de Campos, publicou em 9 de abril de 1891 que a população aterrada abandonava o lugar. Possivelmente se referia às famílias abastadas que deixaram o município.

A Gazeta de Notícias de 28 de abril do mesmo ano confirma que os habitantes se retiravam para diversos pontos do Estado, abandonando as suas casas e haveres. Todos os estabelecimentos públicos, muitas casas de negócio, açougues e padarias fecharam as portas. Para socorrer os enfermos pobres foi criada uma comissão distribuindo carne, galinhas, ovos e medicamentos. O Conde de Nova Friburgo doou um conto de réis e a família Monnerat 800 réis. Os cadáveres sem as habituais exéquias eram transportados em carroças e sepultados em valas comuns por voluntários, policiais e detentos. Naquela época havia os negacionistas.

O governador do Estado do Rio declarou que à exceção do Rio de Janeiro, a febre amarela não se manifestava em nenhum município do estado. Segundo ele, tratava-se de casos de febre remitente biliosa ou perniciosa e a população aterrada a considerava como febre amarela. A origem deste flagelo em Cantagalo pode ser a conexão frequente pela linha férrea entre este município e Niterói no transporte do café.

Conforme notícia do jornal Democracia, de 8 de abril de 1891, a cidade de Niterói vivia em estado habitual de imundície de suas praias e ruas, o serviço de remoção de materiais fecais era precário e carecia de execução nos mais rudimentares preceitos de higiene pública. Com a epidemia tão próxima, construiu-se em Nova Friburgo um lazareto e sua conclusão ocorreu em 1893. Mas o município nunca teve um surto de febre amarela. O lazareto teria utilidade quando ocorrer a epidemia da gripe espanhola.

O jornal O Friburguense, na coluna “Alerta ainda!”, de 19 de abril de 1891, cobrava das autoridades que fosse criado um cordão sanitário impedindo que a população cantagalense imigrasse para Nova Friburgo como vinham fazendo. Se por um lado o jornal fazia a vigilância sobre os cantagalenses paradoxalmente nos editoriais recebia de forma calorosa os cariocas que igualmente fugiam da febre amarela no Rio Janeiro. A explicação está nos benefícios que estes últimos proporcionavam à rede hoteleira, no aluguel de residências, serviços e principalmente no comércio.

Cumpre destacar que permaneciam  seis meses em Friburgo entre novembro e maio, enquanto não cessasse a canícula, o intenso calor no Rio de Janeiro. Quem primeiro aventou a hipótese da febre amarela ser transmitia por um mosquito foram os médicos cubanos, cuja tese foi confirmada anos depois. A febre amarela foi extinta no Rio de Janeiro por Oswaldo Cruz e Carneiro de Mendonça em 1903. Seis anos depois o Rio de Janeiro ficou livre das epidemias intermitentes de febre amarela. A descoberta da vacina, em 1937, colocou esta doença sob controle.

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    Os vereadores abandonaram Cantagalo

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    Cariocas em Friburgo fugindo da febre amarela

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    O flagelo da epidemia

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