Imagens de ex-escravos em Nova Friburgo?

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Quando eu fazia a seleção de fotografias para um artigo que escrevi sobre a história de uma instituição de caridade para o meu blog, um detalhe me chamou a atenção em relação às imagens. Refiro-me a Casa São Vicente de Paulo que a população de Nova Friburgo se habitou a chamar de Casa dos Pobres. Esta instituição de caridade iniciou suas atividades em 1933 com as irmãs trapistas, para o acolhimento de idosos carentes e desprovidos de assistência. Somente na década de 1950, a instituição passou a receber também pessoas com necessidades especiais.

Observando algumas legendas das fotos constatei em uma série que muitas delas foram tiradas na década de 1930. Tratava-se do registro dos primeiros anos de funcionamento do asilo. Nas imagens haviam muitos idosos negros que tinham uma faixa etária entre 80 e 90 anos ou mais naquela década. Imaginei que poderiam ter sido ex-escravos.

Vamos analisar um único caso que pode comprovar a minha tese. Em 1935, por exemplo, dois anos depois que o asilo foi aberto, se um destes idosos acolhidos tinha 80 anos, isto significa que ele nasceu em 1855, em plena escravidão. Logo, tudo indica que seriam possivelmente ex-escravos e basta verificar a documentação dos primeiros anos em que o asilo passou a acolher estes idosos para se certificar se eram ou não egressos da escravidão.

O primeiro levantamento censitário de abrangência nacional foi realizado em 1872 e nos permite localizar as áreas de concentração de escravos. Na Freguesia de São João Batista, sede da vila, havia 897 escravos em relação à população livre de 5.406 indivíduos. Na Freguesia de São José do Ribeirão era onde havia o maior plantel de escravos com 3.072 cativos para uma população de 4.890 indivíduos livres. Já na Freguesia Nossa Senhora da Conceição Paquequer havia 2.167 escravos e uma população livre de 1.898 habitantes. Em Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana havia 548 escravos para uma população de 1.828 indivíduos livres.

Os governos geral e provincial, e tampouco os abolicionistas, não se preocuparam com a inserção social e econômica dos ex-escravos com o fim da escravidão. As famílias escravas eram muito raras nas fazendas produtoras de café, não sendo estimuladas pelos proprietários rurais ainda mais depois que passou a ser proibida a venda em separado da família. Por isto, os libertos que optaram em abandonar as fazendas de café após a abolição da escravidão se viram sozinhos e sem destino.

Faltam, portanto, pesquisas para saber como ocorreu a inserção dos libertos junto a sociedade. De acordo o historiador, Boris Fausto, em “História Concisa do Brasil” nas regiões de forte imigração, como foi o caso de Nova Friburgo, o negro era considerado um inferior, útil quando subserviente ou perigoso por natureza ao ser visto como vadio e propenso ao crime.

No Jornal O Friburguense há um artigo sobre as vítimas do grupo “13 de maio”. Tudo leva a crer ter ocorrido algum conflito entre os egressos da escravidão e indivíduos do município resultando na morte de alguns deles. Seguem trechos dos artigos relativos a este episódio: “Não pensem as autoridades que fazemos referência ao 13 de maio, não; entre eles também há gente boa como há ruim nos que libertaram-se antes dessa gloriosa data e entre os que nasceram livres. Devemos banir do nosso espírito e de uma vez para sempre certos preconceitos que só servem para alimentar rivalidades e paixões que nenhum benefício nos trazem. Não há distinções perante a lei, somos todos iguais. Porque um indivíduo tem a pele preta ou escura não tem menos garantia que outro que a tem mais alva; o que vale, o que recomenda-o é o seu procedimento, as suas aptidões, a sua inteligência, a sua aplicação ao trabalho e o respeito que ele guarda as leis e aos seus representantes, esforçando-se por honrar a sociedade em que vive e ao país que nasceu. (O Friburguense, 24/05/1891 e O Friburguense, editorial “A Vadiagem”, 25/10/1891).

O articulista sugere serem os egressos da escravidão intelectualmente incapazes e de fácil manipulação por indivíduos mal intencionados. “Não será difícil caírem na carreira do crime pensando-se que essas infelizes criaturas não terem o precioso conhecimento para conhecerem e diferençar o bem do mal, educadas nas ruas, podem ser vítimas de maus conselhos e perversas seduções...” (O Friburguense, 01/09/1894).

Como disse antes, o que ocorreu com os egressos da escravidão nada sabemos, mas os seus rostos possivelmente ficaram registrados pelas irmãs francesas trapistas da Casa São Vicente de Paulo.

  • Foto da galeria

    Idosos acolhidos na década de 1930

  • Foto da galeria

    As irmãs trapistas teriam acolhido ex-escravos

  • Foto da galeria

    Não houve preocupação com os egressos da escravidão

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