O exemplo germânico

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 08 de novembro de 2023

É como se eles fossem donos do queijo e nós, dos buracos do queijo

Como diria Euclydes da Cunha, o brasileiro é antes de tudo um esbanjado. Não precisei de muito estudo ou de refinadas pesquisas para chegar a essa conclusão. Fiz a descoberta num estalo, sem maiores reflexões, apenas observando um grupo de pessoas que se afastava da mesa de um restaurante. A comida deixada nos pratos dava para reabastecer até mesmo quem estivesse há dias sem mastigar nada além da própria saliva. Grande é a fome no mundo e não menor é a quantidade de alimentos jogados fora todos os dias. Mandamos para o lixo pedaços de carne que muita gente gostaria de roer até os ossos. Mas a fome alheia não corrói nosso estômago. Como pilheriou Mario Quintana, “Por pior que seja a situação da China,/ Os nossos calos doem muito mais”. Para ficarmos apenas aqui no pátrio quintal, basta dizer que, de todos os alimentos que o Brasil produz, 10% vão para o lixo. 

Mas não é só com comida. Com a água é a mesma coisa. Deixamos a torneira aberta enquanto cantarolamos aquele antigo samba de carnaval: “As águas vão rolar!”  Nos postos de gasolina há um relógio apressadinho vai marcando o quanto colocamos no tanque e quanto isso nos custará. Nas torneiras não tem relógio nenhum, salvo o hidrômetro, mas esse fica lá fora, na calçada (e o que os olhos não veem o bolso não sente ─ nem a consciência). É como se a água caísse do céu. Bem, é de lá mesmo que ela cai, mas não chega à torneira por um milagre celeste: antes se infiltra na terra, passa por mil processos de limpeza e só depois é que entra em nossas casas, carregada de cloro e de custos.

Com a energia elétrica nos comportamos como se ela fosse de graça como a luz do sol (se é que a luz do sol ainda é de graça). Tem gente que esbanja até remédio: se o médico recomenda uma vitamina, aproveita e compra um laxante, um analgésico e umas pastilhas pra garganta. Uma parte da população se orgulha das tantas roupas que tem guardadas; outra, usa as mesmas duas camisas alternadamente.  Na verdade, é uma só, virada pelo avesso ─ dia sim, dia não.

Mas creio que nem todos os povos são assim. Nos meus tempos de adolescente, ouvi falar de um casal de alemães que bem poderia servir de exemplo aos brasileiros. Creio que nos bastaria imitá-los para, em pouco tempo, reerguer a nossa combalida economia. Eles eram uma demonstração viva da razão pela qual a Alemanha é uma das grandes potências econômicas do mundo.  É como se eles fossem donos do queijo e nós, dos buracos do queijo.

Aquela dupla sabia economizar! Certa vez correu entre os operários que o germânico chefe, criticando o esbanjamento dos seus subordinados brasileiros ─ aos quais limitava a ida ao banheiro, onde eram bem capazes de exagerar no gasto de papel higiênico, sabão e água (sem falar no tempo que ficavam sentados no vaso, pensando num jeito da passar as horas sem trabalhar), pois bem, esse econômico senhor informou, com justo orgulho, que em sua casa um tubo de creme dental rendia por meses. Para isso, era marcada no produto a data em que ele era posto em uso e o dia em que ele poderia ser dado por findo. Se alguém esbanjasse, a família ficava escovando os dentes com dedo (à vontade) e água (com parcimônia), até que o prazo se cumprisse. Contudo, a esposa desse poupador emérito certa vez lastimou que o marido, tão contido em tudo o mais, tivesse o mau hábito de usar o palito uma só vez e jogá-lo fora depois do almoço, quando o recomendável seria guardá-lo para o jantar, usando uma extremidade de cada vez, fazendo-o render o dobro.  “Pra isso é que os palitos têm duas pontas”, sentenciava ela, com a sabedoria de quem sabe o valor da poupança.

Agora que você terminou de ler, feche a torneira e apague a luz.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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