Notícias mortais

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 14 de março de 2023

A morte abomina hipérboles e eufemismos

Importamos dos Estados Unidos a expressão fake news porque, para os brasileiros, até notícia falsa parece mais verdadeira se anunciada em inglês. Mas, com a criatividade que não nos falta, rapidamente ultrapassamos os americanos e todos os demais povos do mundo na produção de mentiras online. Pena que não exista Nobel para criadores de lorotas, calúnias, invencionices, desinformação e coisas afins, ou certamente algum brasileiro já teria ido a Estocolmo receber seu merecido prêmio. Ou talvez o prêmio fosse dado a nosso povo em geral, tantos são entre nós os praticantes dessa nova modalidade de comunicação.

Por exemplo: agora tornou-se comum anunciar (na CNN News se diz “repercutir” – mais um modismo!) a morte de alguém famoso. Só nesses últimos tempos “morreram” William Bonner e Silvio Santos. Acho que Ivete Sangalo também morreu. Outro que bateu as botas foi o presidente Lula, que está sendo substituído no cargo por um ator (infelizmente o artista teve que amputar um dedo para assumir o papel). E o mais interessante é que mesmo quando os falecidos vêm ao vivo informar que estão vivos, a notícia continua correndo, com muita gente chorando ou rindo, comemorando ou mandando mensagens de pesar para as famílias enlutadas.

Certa vez um jornal anunciou que Mark Twain tinha passado dessa para a melhor. Aliás, não sei se ele queria ir para esse “lugar melhor”, pois certa vez declarou que “Todo o humano é patético. A fonte secreta do humorismo não é a alegria, e sim a tristeza. No céu não há humorismo”. O autor de “O príncipe e o mendigo”, “As aventuras de Huckleberry Finn” e outros grandes livros, numa de suas muitas tiradas espirituosas, simplesmente comentou: “Foram um tanto exageradas as notícias de minha morte”. Mas na verdade com a morte não tem um pouco mais ou um pouco menos. Quem morreu, morreu. A morte abomina hipérboles e eufemismos.

Mas até sobre mim, o mais anônimo dos anônimos cidadãos deste município, já pesou a acusação de estar morto. Um tanto exageradamente, como diria Mark Twain, e a prova disso é que estou aqui digitando essa conversa fiada. Caminhava eu pelas calçadas quando notei que alguns passantes me olhavam com ar de espanto, talvez até de medo. Fosse de noite, não duvido que muitos sairiam correndo. Não é que eu seja bonito, muito pelo contrário, mas não chego a assustar as pessoas no escuro, menos ainda à luz do dia.

Não existe só uma Maria no mundo, mas falou-se numa delas, parece que todas as outras entram na conversa. Aconteceu que havia falecido um xará meu e houve quem pensasse que era a mim que a “Indesejada das Gentes” tinha vindo buscar. Ao me encontrarem na rua, aparentemente vivo, ficavam surpresos, sem saber se me davam parabéns ou pêsames.

O fato é que sobre cada um de nós, mais cedo ou mais tarde, essa notícia acaba se tornando verdadeira. É bem sensato este famoso conselho: “Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta”. O que me consola é saber que um triz após essa hora chegar para mim eu já estarei longe demais para me preocupar com isso. Mas não estou com a mínima pressa. Sou da mesma opinião que Woody Allen: “Eu não tenho nada contra a morte. Só não quero estar presente quando ela chegar”.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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