Nome feio

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Algumas dessas localidades batizadas de maneira incomum, às vezes beirando o pornográfico

Tem gente que acha esquisito o nome de certas cidades brasileiras. De fato, Varre-Sai, Não-Me-Toque e outras tantas são...  não digamos que sejam esquisitas, mas originais, e talvez assim os varre-saienses e os não-me-toquenses não se aborreçam conosco se por acaso um dia (nunca se sabe) vierem a pôr os olhos nestas mal traçadas linhas.

Antes de continuar, convém explicar aos leitores mais jovens o significado da expressão “mal traçadas linhas”. Em priscas eras (outra expressão que precisaria ser explicada, mas fica para outro dia, ou talvez nunca), pois bem, em priscas eras as cartas eram escritas ─ acreditem! ─ à mão e, mais incrível ainda, levadas na mão a uma agência dos Correios, a partir de onde, de mão em mão, acabavam nas mãos do carteiro que as entregava nas mãos do destinatário.

Tem até aquela música que diz assim: “Quando o carteiro chegou/ E o meu nome gritou com a carta na mão/ Ante surpresa tão rude/ nem sei como pude/ chegar ao portão”, e por aí vai. Caso alguém ache esses versos ridículos, lembre-se de Fernando Pessoa: “Todas as cartas de amor são ridículas/Não seriam de amor se não fossem ridículas/ Também escrevi, no meu tempo,/ cartas de amor, como as outras, ridículas”.

Pelo número de vezes que escrevi a palavra mão no segundo parágrafo, dá para perceber como a coisa era complicada e demorada. O sujeito podia mandar uma carta pedindo a mão (outra vez!) de uma jovem em casamento e, quando recebia a resposta, já estava casado ─ com outra, naturalmente. E sempre, por modéstia ou por ser de fato dono de um verdadeiro garrancho, o emitente começava pedindo desculpas pelas “mal traçadas linhas” formadas por sua letra.

Mas voltemos a falar das cidades com nomes esquisitos. Andei, por falta do que fazer, ou mais precisamente por falta de vontade de fazer o que precisava ser feito, dando uma olhada na internet para me divertir com algumas dessas localidades batizadas de maneira incomum, às vezes beirando o pornográfico. É o caso de Pintópolis (MG), ou seja, cidade do pinto, palavra que no Brasil designa várias coisas, entre elas... o pinto.

No Rio Grande do Sul encontramos Entrepelado. Para se dar bem lá, é só o visitante não levar ao pé da letra a placa que o saúda na entrada do município, do contrário, poderá ser preso por atentado ao pudor. Continuando a viagem pelo RS, encontramos a cidade de Sério, onde todo mundo pode se divertir, mas sem perder a compostura. É um lugar onde o bom cidadão, ao botar a cara na janela, evita ficar mostrando os dentes pro vizinho. Quando alguém telefona de lá e o ouvinte duvida, o sujeito garante: “Estou em Sério, sério!” Nem vou falar em Anta Gorda, para os gaúchos não me acusarem de estar de implicância com eles.

Não faltam outros exemplos eloquentes. Por exemplo: Jijoca de Jericoacoara (CE), onde as crianças passam seis meses na escola aprendendo a falar o nome do lugar em que vivem; Virginópolis, onde as mulheres só podem morar até se casarem: depois da lua de mel, têm que ir viver em outro lugar, para não desmerecer o nome da cidade; Barro Duro (PI) ­─ não deve ser mole morar num lugar desses! Tem Rolândia (PR) e Dormentes (PE), entre outras preciosidades. E, como se tudo isso fosse pouco, ainda tem Presidente Kennedy, grande pecado do Espírito Santo!

Mas não é só o Brasil que tem dessas coisas. Nos States, só para ficar no país que os brasileiros tanto admiram (a ponto de batizar uma cidade com o nome de um presidente deles), tem a Misery Bay (Baía da Miséria), a Grumpy Dog Road (Rodovia do Cachorro Mal-humorado), Melancholy Waterhole, (Buraco da Água Melancólica), The End of the World (O Fim do Mundo), Mistake Island (Ilha do Erro) e, para encerrar uma lista que poderia encher mais uma página, Defeated (Fracassado). Mas não tem nenhuma chamada Presidente Kubitscheck.

Enfim, há nomes para todos os gostos e desgostos. Feliz de quem pode dizer que nasceu em Nova Friburgo e não precisa passar pelo constrangimento que deve se abater sobre quem é obrigado a se declarar kennediense!

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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