A felicidade no mundo

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 07 de setembro de 2022

Somos um povo que ri quando devia chorar

A ONU publicou recentemente seu relatório anual sobre o nível de felicidade em cada país do mundo. O Japão, por exemplo, está em 55º lugar, o que não é grande coisa para um povo tão rico e estável. Talvez não seja mais feliz por falta de espaço e excesso de trabalho. Recentemente um japonês apertou os olhos um pouquinho mais e inventou o que ele aponta como um eficiente paliativo para os dois problemas. Como todo brasileiro sabe e abomina, lá os empregados chegam a trabalhar até oitenta horas extras por mês, geralmente sem receber um iene por isso. Não é sem razão, pois, que com frequência se trancam no banheiro, não para fazer no banheiro o que no banheiro se faz no resto do mundo, e sim para tirar um cochilo.

Foi possivelmente durante uma dessas sonecas que, enquanto o imperador também cochilava, seu engenhoso súdito sonhou construir um jeito de descansar que, não sendo tão bom quanto a cama, fosse melhor do que o vaso sanitário. Bolou uma caixa semelhante a um caixão que, colocada verticalmente num canto qualquer do local de trabalho, pudesse acomodar os sonolentos. A engenhoca possui apoio para a cabeça, as costas e os pés, de modo que, garante o inventor, mesmo sem estar deitado, nela se pode dormir com bastante conforto.

Na pesquisa da ONU, os países mais felizes são os de sempre, que estão ali se revezando anos a fio, sobem um pouquinho, descem um pouquinho, mas não largam a taça: Finlândia, Dinamarca e Suíça foram novamente os primeiros a subir ao pódio. Não faltam, no entanto, surpresas.  Por exemplo: Israel ocupar a nona posição, apesar de se dar tão mal com os vizinhos palestinos. Estes, tão próximos e tão distantes dos israelenses, despencam diretamente para o 122º. lugar. E os Estados Unidos, que para muitos brasileiros parecem ser o céu ao alcance da mão, ficam num modesto 16º lugar. Basta, no entanto, dar um passo abaixo na fronteira para cair no México, e a situação piorar subitamente: 46º colocado.

Não dá para esquecer a Ucrânia e a Rússia. Nenhuma das duas jamais figurou entre os nossos principais sonhos de viagem e de fato estão, respectivamente, na 96ª e 80ª colocação. Agora, então, que viraram pesadelo é provável que apareçam ainda mais mal colocadas na próxima pesquisa. No fim da fila, na lanterna do campeonato, estão os três lugares onde as pessoas têm menos motivos para achar que a vida vale a pena: Zimbábue, Líbano e por fim o Afeganistão, habitat do povo mais infeliz do planeta.

E o Brasil? Bem, somos o número 38 do ranking. Entre os sul-americanos, perdemos para o Uruguai, que está oito pontos à nossa frente. Enfim, não gargalhamos tanto quanto na Suécia (7º), mas somos bem mais risonhos do que nossos vizinhos argentinos (57º), ou mesmo do que Portugal (56º). Entre duas e três mil pessoas foram ouvidas em cada um dos 146 países pesquisados. Os analistas ressaltaram que, em todos eles, dois fatores contribuem para tornar o povo mais ou menos de bem com a vida: o apoio que contam conseguir da sociedade em caso de necessidade, e a visão que têm da honestidade de seus governantes.

Os brasileiros talvez nem precisem de motivos para se sentirem felizes; porque, segundo dizia o antigo radialista Alziro Zarur, somos um povo que ri quando devia chorar. Rimos de nossas próprias desgraças e fazemos piadas de nossas próprias tristezas, que é o nosso jeito de ir sobrevivendo, ou pelo menos de nos irmos enganando.

Mas parece que, nos dois pontos destacados pelos pesquisadores, mal nos aguentamos em cima das pernas. São desumanas entre nós as diferenças econômicas e sociais; pessoas que ocupam o mesmo espaço urbano são estranhas, às vezes inimigas. E a constatação de que, quanto mais altos os escalões do poder, maiores são os recursos destinados às mordomias, luxos, vantagens e benefícios de quem já os possui em excesso, enquanto outra parte da população é tratada como um povo estrangeiro, com o qual nada se tem a ver e ao qual nada se deve.

Que esperar dos resultados da pesquisa que sairá em 2023? Não vamos sonhar em chegar perto dos líderes do campeonato mundial de felicidade, mas talvez nos afastemos um pouco mais do grupo da lanterna. Como dizem os árabes, “in shaa Allah”, oxalá, se Deus quiser!

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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