Enquanto Nova Friburgo - poder público, setores empresariais e a população - discute como flexibilizar a bandeira roxa para salvar a economia da falência generalizada, um cenário ainda mais sombrio se avizinha: o colapso iminente das redes pública e particular de saúde, também por conta da Covid.
Justamente nesta semana marcada pelo estágio de maior risco de contágio pelo coronavírus, a cidade vem registrando, pela primeira vez em mais de um ano de pandemia, 100% de ocupação de leitos de UTI, tanto no Hospital Municipal Raul Sertã quanto no da Unimed e no Serrano, ambos privados. Somente o São Lucas, particular, tinha, nesses últimos dias, leitos sobrando: um apenas.
Para se ter uma ideia, desde o último domingo, 4, até antes da divulgação do boletim desta quarta, dos 50 leitos de UTI disponíveis em toda a cidade, 49 estavam ocupados por pacientes de Covid, o que eleva a taxa de saturação para 98%. A situação só não é pior nas enfermarias, onde, dos 90 leitos totais, 66 estavam ocupados.
Mas a fila de espera por uma UTI em Nova Friburgo está, gradualmente, crescendo: somente nesta terça, segundo a prefeitura, surgiram 55 casos suspeitos e três pacientes aguardavam vaga de UTI. Foram atendidos graças à alta médica dada a outros pacientes. A situação tem levado médicos da linha de frente a fazerem a terrível “escolha de Sofia”: decidir qual paciente terá mais chances de se recuperar sob tratamento intensivo, conforme confidenciou uma profissional ao jornal.
Considerando apenas os leitos públicos de UTI e de enfermagem para tratamento de Covid, o mapa da Secretaria Estadual de Saúde (CONSULTE AQUI) revela, de uma perspectiva mais abrangente, uma situação preocupante: a cidade de Nova Friburgo já atingiu 100% de ocupação dos leitos públicos, sendo responsável pelo atendimento de 13 municípios vizinhos e cercada por outros municípios, mais distantes, com taxas de ocupação igualmente elevadas.
A Secretaria Municipal de Saúde informou ao jornal A VOZ DA SERRA que, se fossem abertos 300 leitos, todos entrariam para o sistema de regulação do estado e provavelmente seriam ocupados por pacientes de fora da cidade. A secretaria informa ainda que está apurando se houve mortes em decorrência da espera por leitos.
Deputado pede ajuda às Forças Armadas
Diante do quadro crítico, o deputado federal Luiz Lima (PSL) encaminhou nesta segunda, 5, ao ministro da Defesa, general Braga Netto, um ofício pedindo a cessão de profissionais de saúde das Forças Armadas para auxiliar em demandas da pandemia do Covid-19 em Nova Friburgo. Como, por exemplo, a operacionalização de respiradores ainda fora de uso por falta de mão de obra especializada.
Para suprir essa mão de obra deficitária, a prefeitura já anunciou que vai publicar um edital de processo seletivo para a contratação de 63 médicos de diversas especialidades. Além desses médicos, semanas atrás foram chamados 167 profissionais de saúde para reforçar o atendimento do Raul Sertã, equipes de vacinação e demais unidades de saúde, segundo a prefeitura.
Mas o processo não é tão simples assim. Segundo outra profissional de saúde que trabalha na linha de frente contra a Covid no Raul Sertã, a sobrecarga de trabalho e a baixa remuneração, com o corte de gratificações, são empecilhos à contratação de mais médicos. “Lá dentro está o caos”, desabafou ela, entre um atendimento e outro.
Para o consultor e membro do Comitê Operativo de Emergência em Saúde (COE) Raphael Spinelli, tecnicamente o sistema de saúde só não entrou em colapso porque o sistema hospitalar ainda não perdeu completamente a capacidade de atender as demandas. “Acredito que estamos dedicando muito tempo e atenção na área equivocada. Estamos perdendo tempo demais com essa discussão de bandeira e do que abre e do que fecha, e isso não resolve o problema da pandemia e da saturação da capacidade do sistema de saúde, e acabamos por perder o foco no que realmente faz a diferença: conscientização da população, uso de máscaras, ampliação de leitos e disponibilidade de medicamentos e vacinação. Essas ações têm que estar em primeiro plano, e não as bandeiras e o que abre e o que fecha”, avaliou.
Raul Sertã ganha nova área Covid
Os números crescentes de casos de Covid - 216 de segunda para terça - levaram a prefeitura a anunciar, na tarde desta quarta, 7, a abertura de 17 novos leitos de enfermaria no Raul Sertã. Segundo o governo municipal, a necessidade da abertura desses leitos se deve “à expansão descontrolada do número de casos de pessoas contaminadas” pela doença na cidade.
O novo espaço funciona na área da clínica cirúrgica, uma ala que estava parcialmente fechada para obras e precisou passar por reformas de recuperação e adequação. Para o espaço entrar em atividade foi necessário que a Secretaria de Saúde adequasse o setor de CTI 2 e suspender, temporariamente, as cirurgias eletivas, sendo executadas apenas as de urgência e emergência. Contudo, foram mantidos os seis leitos de CTI geral e da ala coronariana para atender as outras especialidades. Os pacientes que passarem por essas cirurgias ficarão em setor próprio e com isolamento adequado. Os profissionais que trabalharão na nova ala Covid são aqueles convocados, na última semana, pelo edital de chamamento público.
Atendimento em cadeiras pelos corredores
A secretária de Saúde, Nicole Cipriano, destacou que, mesmo com a abertura desses novos leitos, ainda não será suprida a necessidade da demanda da cidade. “Já temos pessoas sendo atendidas em macas e cadeiras pelos corredores do hospital. A nossa realidade é a mesma dos grandes centros, e se o friburguense não mudar a sua rotina de hábitos, a situação será devastadora e em pouquíssimo tempo”. A secretária disse também que a UPA já está atendendo com a sua capacidade máxima de lotação. “A situação é muito séria”, afirmou.
De acordo com o Núcleo Interno Regulatório do hospital, já existem pacientes de UTI na iminência de serem regulados pelo estado, ou seja, friburguenses que precisarem de internação em UTI correm o risco de não conseguirem vagas no município e serem encaminhados para qualquer outra cidade onde haja leito vago no estado.
Sobre os 30 respiradores sem uso, a Secretaria Municipal de Saúde voltou a alegar dificuldades para encontrar profissionais especializados para atuarem no setor, o que impossibilita prever uma data para início de operação dos equipamentos.
“Nós estamos vivenciando o pior momento da pandemia. O vírus já sofreu algumas mutações que ainda são desconhecidas e torna mais grave a situação. Então, o momento é de cautela e precaução. Precisamos que o friburguense se conscientize do seu papel enquanto sociedade, pois, por mais que o poder público faça a sua parte, a responsabilidade deve ser repartida por todos. Os números mostram que o sistema de saúde pública da cidade está prestes a colapsar”, alertou Nicole.
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