Um grupo de pais e mães de alunos de Nova Friburgo tem se mobilizado a favor do que chamam de retorno seguro às aulas. A ideia é que a educação passe a ser tratada como atividade essencial, de modo que possa ser feito um planejamento para o retorno opcional e híbrido (presencial e/ou online).
Para tanto, o grupo se reuniu no último dia 15 (terça-feira passada) com o prefeito eleito Johnny Maycon, na qual apresentou a proposta na companhia de três infectologistas, uma pediatra e uma psicóloga, além de um representante de cada segmento educacional das escolas particulares.
Duas infectologistas, uma pediatra, uma psicóloga e um reumatologista entraram em contato com A VOZ DA SERRA para expor suas opiniões técnicas a respeito do que consideram ser equivocado o sistema de aferição da bandeira e uma possível uma retomada das aulas de forma segura.
Patrícia Lima Hottz e Danyelle Cristina de Souza - infectologistas
“Do ponto de vista epidemiológico, o bandeiramento baseado na taxa de ocupação de leitos de UTI e enfermarias por Covid-19 pode estar equivocado, já que hospitais privados e públicos da cidade recebem pacientes transferidos de outros municípios. Há necessidade de revisão dos dados, associação das taxas de ocupação às taxas de positividade de exames, análise do R0 (taxa de contágio), entre outros. Vale ressaltar que educação é atividade essencial e, portanto, as escolas devem ter prioridade de abertura conforme o bandeiramento.
Para suportar tal medida, já sabemos que a criança com Covid-19 em sua grande maioria desenvolve formas assintomáticas ou leves, e que as formas graves (raríssimas) ocorrem principalmente nas crianças que apresentam fatores de risco, como cardiopatias, pneumopatias e doenças neurológicas crônicas. Lembramos também que a forma grave observada mais tardiamente, a síndrome inflamatória multissistêmica que pode ocorrer após exposição ao SarsCov2, ocorre também após exposição a outros vírus, como citomegalovírus, por exemplo. Além disso, crianças não são grandes disseminadores do vírus, como se pensava inicialmente.
Vários estudos já publicados observaram o impacto do retorno escolar pelo mundo, e não foram observados surtos e aumento de casos em ambiente escolar em condições seguras e controladas. Não há como atrelar a reabertura das escolas à vacinação. O plano de imunização para Covid-19 não contempla as crianças nas fases iniciais, por desenvolverem formas brandas e pela falta de estudos nesta faixa etária.
Considerando isto, o baixo risco de formas graves na infância e cientes de todo impacto negativo que as crianças vêm sofrendo devido ao longo período de afastamento da escola e do convívio social, acreditamos que o retorno presencial e online, de forma híbrida, atendendo às crianças, famílias e aos profissionais de educação, que tenham fatores de risco para as formas graves de Covid-19, seja o modelo a ser planejado para 2021”.
Veronika Cereja – Psicóloga
“Precisamos levar em conta os fatores emocionais provocados pelo isolamento social. Crianças e adolescentes saíram um dia das aulas e na manhã seguinte não puderam retornar à escola, ver seus amigos, andar ao ar livre ou abraçar seus avós. Enquanto o tempo passou os problemas de saúde mental cresceram e continuam crescendo a cada dia. Angústia, ansiedade, depressão, desmotivação, transtornos alimentares, irritabilidade, automutilação, agressividade, apatia, fobia social, medo, atraso ou regresso no desenvolvimento cognitivo, são alguns exemplos do que tem ocorrido. As crianças estão em pleno desenvolvimento físico e cognitivo onde o ensino é baseado na interação com o outro, nas experimentações e brincadeiras, que são, dentre tantas outras ações, uma forma de se expressar e aprender.
Na falta do ambiente escolar as crianças têm ficado, muitas vezes, sob cuidados inadequados onde estão sofrendo diversos tipos de violência e acidentes domésticos. Adolescentes precisam de senso de normalidade e estrutura para manter a estabilidade emocional. O que pode ser mais difícil em tempos de ensino a distância, afastamento dos amigos e da família, cancelamento de viagens e mudanças em sua rotina habitual. A escola é, não somente um espaço de aprendizado, como também um espaço de acolhimento, desenvolvimento, interação e proteção”.
Davi Furtado – Clínico e Reumatologista
“Depois de analisarmos todos os dados apresentados pelos colegas especialistas, um de cada área, percebemos que manter as escolas totalmente fechadas traz muito mais dano às crianças e adolescentes do que benefícios. Como as infectologistas nos trouxeram, o vírus da Covid-19 se apresenta de forma diferente nesta faixa etária, sendo muito rara a evolução para gravidade; a evolução grave se compara a outros vírus ou é até menor do que muitos outros nas crianças. Além do mais, após todos esses meses, sabemos tratar muito melhor a Covid-19, mesmo quando ela evoluiu de forma pior.
Nossa taxa de mortalidade na cidade está mais baixa que muitas cidades, inclusive quando comparada às capitais, pois aqui, nosso grupo de profissionais de saúde vem fazendo um trabalho brilhante. Nossas crianças e adolescentes não podem ficar à margem da sociedade, principalmente os mais carentes, em que os pais precisam trabalhar, já que todos os segmentos retornaram, e eles estão literalmente largados em casas e ruas da cidade, pois estas famílias não têm recursos para contratar babás como as famílias de mais posses. Por isso ocorre o aumento no número de abusos, maus tratos e até do surgimento de doenças sexualmente transmissíveis na infância e adolescência.
Nossa proposta é que se forme uma Câmara técnica pelo prefeito eleito, com infectologista comandando as ações, e que se faça urgente um plano de reabertura das creches e escolas, de forma híbrida e com segurança. Lembramos que nenhuma criança ou adolescente será obrigado a retornar, sendo de total autonomia dos pais ou responsáveis essa decisão”.
Tatiana Montenegro – Pediatra
“Nesse período de privação escolar o que se pode observar nos atendimentos pediátricos de forma assustadora é o sobrepeso, as alterações emocionais, como ansiedade e medos, alterações importantes no neurodesenvolvimento como tiques, gagueira, regressão de atividades já adquiridas antes, atraso ou alterações na fala, dificuldade de concentração e desinteresse pelo estudo. As queixas cardiovasculares como dor no peito, hipertensão arterial são vistas com frequência em decorrência do aumento de peso e do colesterol em crianças e adolescentes.
Observamos que o número de encaminhamentos para fonoaudiólogos e psicólogos aumentou no município. Houve uma elevação do número de adolescentes entre 13 e 15 anos matriculadas mensalmente no pré-natal de nossa maternidade municipal. Esse dado pode ser um reflexo da falta de oportunidade escolar ou de outros programas educacionais que esse jovem pudesse estar inserido. Os desafios são muitos, os esforços são importantes para que juntos possamos elaborar um plano seguro de retorno escolar, já que ela é essencial, necessária e imprescindível”.
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