Os benefícios da musculação para o corpo são bastante conhecidos, e entre eles, a diminuição da gordura e o aumento da massa muscular. Agora, um novo estudo mostra que os exercícios de força podem ser ainda mais vantajosos na terceira idade. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/SP), descobriram que pegar peso pode proteger o cérebro de idosos contra doenças relacionadas ao declínio cognitivo, como a demência.
Cerca de 2,71 milhões de pessoas com 60 anos ou mais convivem com quadros de demência no Brasil
O estudo publicado na revista científica GeroScience, em janeiro, contou com a participação de 44 pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), um quadro intermediário entre o envelhecimento normal e a doença de Alzheimer. O CCL é caracterizado por um declínio cognitivo maior do que o esperado para a idade, mas que ainda não interfere significativamente nas atividades diárias do paciente.
Para chegar aos resultados, os participantes foram divididos em dois grupos: um praticou musculação por seis meses, enquanto o outro não fez exercícios. Eles passaram por testes neuropsicológicos e exames de imagem no início e ao final da pesquisa para compreender os impactos das atividades físicas.
Enquanto o grupo que pegou peso apresentou várias melhoras, os que permaneceram sedentários tiveram uma piora cognitiva. Os testes mostraram que a realização de treinos de força melhorou a memória, provocou mudanças na anatomia cerebral dos voluntários e ainda impediu a atrofia de áreas cerebrais ligadas ao Alzheimer.
Treinamento cognitivo digital
O aumento dos casos de demência, incluindo o Alzheimer, é uma espécie de efeito colateral da longevidade. Isso porque o risco da condição neurodegenerativa aumenta com o envelhecimento, e essa questão é uma das maiores preocupações da atualidade em termos de saúde pública.
As demências começam a se desenvolver anos — até décadas — antes do aparecimento dos principais sintomas, e como ainda não existe nenhum remédio eficaz capaz de reverter o problema, uma vez que ele está instalado, muitas iniciativas se concentram em intervenções que podem prevenir ou postergar seu aparecimento.
Uma das iniciativas mais estudadas atualmente é o potencial do uso de neurogames, ou treinamento cognitivo digital, contra a condição. Trata-se do uso de aplicativos e sites que oferecem exercícios de treinamento cerebral para melhorar processos cognitivos como velocidade de processamento, atenção e memória de trabalho.
“São exercícios desenvolvidos e validados cientificamente, que trabalham o processamento cerebral para dar mais eficácia e rapidez”, explica o psiquiatra Rogério Panizzutti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A mais nova evidência sobre o assunto é um estudo realizado pelo Laboratório de Neurociências e Aprimoramento Cerebral (LabNACe) da UFRJ, que demonstrou que o treinamento cognitivo digital levou a melhorias na funcionalidade de idosos com CCL.
“Nessa fase, a perda é muito sutil. A pessoa ainda é independente para fazer todas as atividades, mas demora mais tempo para realizá-las ou comete mais erros, como deixar de pagar alguma conta, errar um cálculo ou se esquecer de tomar um medicamento”, explica a terapeuta ocupacional Cintia Monteiro de Carvalho, primeira autora do estudo e pesquisadora do LabNACe.
Anteriormente, a mesma equipe havia publicado um estudo que mostrou que idosos sem problemas de memória apresentaram ganhos na parte cognitiva, de atenção e memória, após fazerem esses exercícios. Já o novo estudo, publicado na revista GeroScience, da American Aging Association, analisou o impacto dos neurogames na capacidade de realizar tarefas do dia a dia.
Os pesquisadores acreditam que um período mais longo de treinamento promova resultados ainda mais positivos. A musculação pode proteger o cérebro contra demências estimulando a produção do fator de crescimento neural (proteína importante para os neurônios) e promovendo a desinflamação do organismo.
Benefícios e números
A rotina de musculação, além do aumento de força e resistência, melhora a postura e previne lesões. Um estudo de enfoque original, desenvolvido no Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), confirmou que a atividade protege o cérebro de idosos.


Com ineditismo, os 16 pesquisadores também identificaram outro impacto positivo: o de melhora na chamada substância branca, parte do cérebro que opera em conjunto com a massa cinzenta, por meio de axônios, para garantir a conexão entre neurônios, mediante as sinapses. As vantagens chegaram à metade dos participantes, a dos que incorporaram a musculação ao seu cotidiano, já após seis meses e há possibilidade de que o impacto seja ainda mais expressivo, caso o período seja maior.
"No grupo que praticou musculação, todos os indivíduos apresentaram melhoras de memória e na anatomia cerebral. No entanto, cinco deles chegaram ao final do estudo sem o diagnóstico clínico de CCL, tamanha foi a melhora", ressalta a primeira autora do artigo, a doutoranda da Fapesp, Isadora Ribeiro, vinculada à Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Para analisar os possíveis efeitos da musculação no cérebro dos participantes, a equipe responsável pela pesquisa realizou testes neuropsicológicos e exames de ressonância magnética. Os especialistas buscavam comparar índices e imagens, uma vez que já se sabe que, entre pessoas com perdas cognitivas, há atrofia — redução do volume de certas regiões do cérebro.
Atualmente, no Brasil, cerca de 2,71 milhões de pessoas com 60 anos ou mais convivem com quadros de demência — 8,5% desse grupo populacional. De acordo com o “Relatório Nacional sobre a Demência”, lançado pelo Ministério da Saúde em setembro do ano passado, essa quantidade deve dobrar até 2050, subindo para 5,6 milhões.
O relatório sublinha que praticamente metade (45%) dos casos de demência poderiam ser evitados ou, pelo menos, adiados. Entre os fatores que aumentam as probabilidades de desenvolver demências, estão: baixa escolaridade; perda auditiva; hipertensão; diabetes; obesidade; tabagismo; depressão; inatividade física e isolamento social.
Corpo e mente
A técnica da gerência de desenvolvimento físico-esportivo do Sesc de São Paulo, Alessandra Nascimento, também destaca os benefícios que os exercícios físicos trazem tanto para o corpo quanto para a mente e que isso não fica restrito a modalidades como natação, ciclismo e corrida.
"Os trabalhos com sobrecarga, independentemente de ser peso, musculação, com o próprio peso, com elástico ou molas, têm mostrado que, além dos benefícios físicos, trazem melhoras cognitivas e relacionadas à saúde mental, de foco", esclarece.
Atualmente, a calistenia, que é o método utilizado para a prática de exercícios físicos apenas com o peso do próprio corpo como resistência, é a terceira modalidade esportiva com mais interesse no mundo, segundo uma revista acadêmica.
A especialista lembra que só mais recentemente é que se começou a recomendar a idosos esse tipo de exercício, porque antes era consenso de que deviam praticar algo como hidroginástica ou dança. A imagem de fragilidade que se tinha dos idosos estava por trás dessa percepção, que agora mudou com as descobertas de pesquisas mais recentes. Ela lembra que, a partir dos 30 anos de idade, toda pessoa vai perdendo força, equilíbrio e massa magra, processo que deve ser refreado.
"Hoje em dia, a gente vê o contrário, os médicos indicando um trabalho de força, de resistência, justamente porque os estudos vêm mostrando a importância de proteção, de ter mais massa muscular para conseguirmos fazer as atividades do dia a dia sem depender de ninguém", reitera Alessandra, chamando a atenção para a necessidade de políticas públicas para facilitar o acesso às atividades físicas por toda a população.
"Precisamos de políticas públicas que consigam incluir o profissional de educação física nas unidades básicas de saúde e no Sistema Único de Saúde (UBS e SUS), porque esse trabalho precisa ser multidisciplinar. Tem que ter o médico, o profissional de educação física, o fisioterapeuta e destacar o trabalho do educador físico. A gente ainda não vê tanto isso aqui no Brasil", apontou a técnica.
(Fontes: Metrópoles /
Globo / Agência Brasil)
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