A primeira vez que o trem chegou a Nova Friburgo foi há 147 anos, em 1873. Neste ano, ocorreu a inauguração da segunda seção da Estrada de Ferro de Cantagallo, que passaria a ligar Cachoeiras de Macacu a Nova Friburgo. Havia muito tempo que os friburguenses sonhavam com esse dia.
Tudo começou em 1857, quando Antônio Clemente Pinto, o barão de Nova Friburgo, decidiu levar os trilhos de trem até Cantagalo, onde ficavam suas fazendas de café. Daí o nome da estrada de ferro ser “Cantagallo”. O objetivo inicial do empreendimento era econômico, isto é, possibilitar um escoamento mais rápido da produção do ouro verde.
Até então, para viajar do interior até a Corte, no Rio de Janeiro, e vice-versa, era preciso tomar a estrada da Serra da Boa Vista que, apesar de segura, era longa e sujeita às intempéries.
O cenário começou a mudar em 22 de abril de 1860, quando a primeira parte da Estrada de Ferro de Cantagallo, que ia de Porto das Caixas (Itaboraí) a Cachoeiras de Macacu, foi inaugurada. Uma multidão se reuniu em torno do ponto inicial da estrada de ferro só para ver o trem partir. Todos queriam ser testemunhas de tão grandioso evento: a inauguração da quarta estrada de ferro do Brasil. E, então, os sinos tocaram, os fogos de artifício foram disparados e todo mundo irrompeu em “vivas”!
Ainda ia levar um tempo até o trem chegar a Nova Friburgo, mas não era por falta de vontade. Na verdade, naquela época ainda não existia uma tecnologia adequada que permitisse vencer uma serra tão íngreme. Muitos espíritos inventivos registraram patentes de engenhocas, mas foi Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, filho mais novo do barão de Nova Friburgo, que encontrou uma boa solução para transpor as altas montanhas de Friburgo. Era a mais nova conquista da engenharia moderna que tinha acabado de ser testada no Monte Cenis, entre a França e a Itália: o sistema Fell.
A Estrada de Ferro de Cantagallo foi a primeira estrada no mundo na qual funcionaria de modo definitivo o sistema Fell, que consistia, essencialmente, na colocação no centro da via ordinária de um terceiro trilho de duas cabeças elevado sobre os trilhos laterais, com o duplo fim de aumentar o peso da locomotiva e servir de guia nas curvas de pequeno raio. A partir de então, nada iria parar os “trilhos do progresso”.
Assim, após três anos de muito trabalho, em 18 de dezembro de 1873, o trem chegou, enfim, a Nova Friburgo. A cidade se encontrava toda enfeitada para a festa, havia bandeiras e flores para todos os lados, e a população se reunia em torno da estação aguardando, ansiosa, por qualquer sinal do trem.
Passava um pouco das três horas da tarde quando o sibilar da locomotiva foi ouvido e o trem despontou no horizonte. Os aplausos e os gritos de felicidade irromperam os ares. Nunca ninguém tinha visto uma festa como aquela nestas paragens!
A ferrovia reduziu o tempo de viagem do Rio de Janeiro a Nova Friburgo de quatro dias para quatro horas! Essa grande mudança contribuiu para o aumento da circulação de pessoas e mais turistas passaram a subir a serra. Tal conveniência também atrairia, no início do século XX, os industriais alemães Julius Arp e Maximilian Falck, que acabariam por instalar suas indústrias na cidade. A estrada de ferro, portanto, foi um marco significativo no desenvolvimento de Nova Friburgo.
Uma das particularidades da ferrovia era atravessar a cidade. O trem passava bem devagar pelo eixo principal da urbs, dividindo espaço com os pedestres, as bicicletas, os carros e os ônibus.
Dessa forma, a vida da cidade girava em torno dos trilhos. Os comícios, os discursos, as manifestações políticas e religiosas, tudo tinha como ponto de partida a estação ferroviária. Era dali que chegavam as novidades ou partiam as pessoas queridas. Quantos beijos e abraços de saudade não foram ali trocados…
Mas, assim como os trilhos da estrada de ferro um dia representaram a modernidade, os tempos haviam mudado. O novo modelo de progresso eram as rodovias. Não demorou muito para que as velhas locomotivas fossem vistas como pedaços de ferro obsoletos, que só geravam prejuízos.
Foi assim que, no dia 15 de julho de 1964, o governo mandou suspender o serviço. Como no passado, quando a população se aglomerou para festejar a chegada do trem, agora ela também se reunia, desta vez, para lhe prestar uma última homenagem. Com seu apito soando sem parar, o trem cortou a cidade. Por onde ele passava, as pessoas agitavam lenços brancos.
Todos ficaram sem palavras quando, dias depois, os dormentes foram destruídos e os trilhos, arrancados. Na terra, como cicatrizes de um flagelo, só restaram as marcas dos rumos e as gotas das lágrimas que corriam dos rostos dos saudosos friburguenses.
A ferrovia em Nova Friburgo nasceu e morreu dentro de um século. Foi construída com um esforço monumental e acabou arruinada celeremente. Um triste exemplo de como a (des)memória brasileira é feita de destruição.
*Vanessa Melnixenco é historiadora.
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