Um enigma nos corredores dos hospitais de Nova Friburgo, refletido nos boletins da prefeitura sobre o coronavírus, intriga a comunidade médica: por que, ao longo da última semana, a ocupação dos leitos de UTI exclusivos para o tratamento da doença voltou a subir no Raul Sertã, atingindo os 100% nesta terça-feira, 13, enquanto nos hospitais privados baixou a zero?
Enquanto no Raul Sertã médicos e enfermeiros na linha de frente da Covid voltam a sofrer com o quadro, em hospitais particulares como o São Lucas os profissionais de saúde comemoram os leitos livres por dias a fio, pela primeira vez na pandemia. “É para glorificar de pé”, postou um deles em uma rede social esta semana, junto a um vídeo mostrando uma auxiliar de enfermagem apagando do quadro os nomes de todos os pacientes que tiveram alta.
Segundo a direção do São Lucas, pela primeira vez desde o início da pandemia o CTI Covid do hospital ficou vazio por sete dias consecutivos. Houve redução também das internações em leitos de enfermaria. "No momento, temos apenas quatro pacientes internados na enfermaria Covid. Esperamos que o avanço da imunização em nosso município contribua para a contínua e progressiva redução dos casos graves e óbitos por Covid-19 em todos os hospitais de Nova Friburgo”, disse a direção, em nota.
Raul Sertão sem pacientes de fora
A diretora do Hospital Municipal Raul Sertã, Vânia Huguenin, descartou que a unidade esteja recebendo pacientes de outros municípios. “Todos os pacientes que ocupam leitos de UTI/Covid hoje no Raul Sertã são de Nova Friburgo”, assegurou ela, antecipando que a ocupação já havia caído nesta quarta-feira, 14: dos 20 leitos de UTI/Covid, 15 estavam ocupados.
Vânia, no entanto, comenta que a ocupação oscila bastante - outro enigma que intriga os médicos. Questionado por A VOZ DA SERRA, um profissional de saúde que trabalha diretamente na linha de frente do setor de Covid-19 do Raul Sertã afirmou, sem se identificar, que vem observando uma mudança recente no perfil dos pacientes internados. Muitos agora são mais jovens, a partir dos 30 anos, e têm alguma comorbidade, como diabetes. “Ontem, por exemplo, vi muitos pacientes graves jovens e com um comprometimento pulmonar elevado, de 50% a 70%. Muitos tabagistas asmáticos”, disse esse profissional médico.
Além das aglomerações que continuam acontecendo pela cidade, uma das hipóteses que ajudariam a explicar a maior ocupação dos leitos públicos em relação aos privados é que as pessoas com melhor poder aquisitivo - e consequente maior acesso à informação - está se vacinando mais rápido e “driblando” o coronavírus, na avaliação desse médico.
Mais adultos jovens infectados
O epidemiologista Lúcio Botelho, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), observou em seu estado uma incidência alta de casos contrastando com baixa ocupação de leitos, um paradoxo que pode ter a seguinte explicação: a maior parte dos pacientes infectados pelo coronavírus são jovens adultos. "Neles, a doença costuma ser menos grave, e por isso pode haver menos internações", disse ele à BBC News Brasil.
Para Domingos Alves, professor da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, a ocupação de leitos não deve ser usada de forma isolada para avaliar a gravidade da pandemia. Isto porque a taxa pode cair sem que o número de pacientes internados tenha diminuído de fato, e sim a disponibilidade de leitos ter sido ampliada pelo governo de uma cidade ou estado.
"Há governadores e prefeitos que têm recorrido a esse truque para dizer que a situação melhorou e fazer a reabertura do comércio, mas, quando você olha, o número de casos está aumentando", afirma o pesquisador, que é colaborador do portal Covid-19 Brasil, que monitora a pandemia no país.
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