Como os vapes seduzem os jovens e desafiam a proibição no Brasil

Mais de 70% de quem já usou vape no Brasil está na faixa entre 15 e 24 anos, segundo Ministério da Saúde
sexta-feira, 11 de abril de 2025
por Liz Tamane
(Foto: Ministério da Saúde)
(Foto: Ministério da Saúde)

Por trás do estilo de vida saudável, um vício silencioso é sucesso entre adolescentes e jovens adultos. Coloridos, cheirosos e discretos, os cigarros eletrônicos — também conhecidos como vapes ou pods — tornaram-se onipresentes em festas, escolas, academias, parques e até stories de influenciadores do bem-estar. E tudo isso apesar de serem proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009.

Se você já foi a uma balada recentemente, ou mesmo a um parque num domingo de sol, deve ter notado. Entre garrafas térmicas de pré-treino, mochilas de corrida e looks esportivos, surgem nuvens de vapor perfumado, quase sempre saindo de dispositivos modernos, pequenos, com cara de pen drive. Muitas vezes, eles estão nas mãos de jovens que nunca sequer encostaram as mãos em um cigarro tradicional — e que, em tese, se dizem atentos à saúde.

A contradição salta aos olhos: uma geração que pesa a marmita, lê rótulo de tudo no mercado e posta treino às 6h da manhã é a mesma que consome — com voracidade — substâncias altamente viciantes, disfarçadas de framboesa, melancia e baunilha. Spoiler: esses dispositivos podem ser até seis vezes mais prejudiciais do que os cigarros convencionais, segundo estudo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas.

O dado que acende o alerta vem do próprio Ministério da Saúde: mais de 70% de quem já usou vape no Brasil está na faixa entre 15 e 24 anos. Essa faixa etária também é a mais vulnerável aos efeitos da nicotina no cérebro, com risco aumentado de desenvolver dependência química, ansiedade e até depressão. 

Existe uma romantização perigosa dos vapes. Eles são vendidos, visualmente, como um  estilo de vida. São diferentes do cigarro tradicional, que carrega um estigma. O vape é pop, colorido, discreto e, acima de tudo, instagramável.

Muitos adolescentes entram em contato com os cigarros eletrônicos por influência de amigos ou figuras públicas. No TikTok e no Instagram, influenciadores de bem-estar e lifestyle — que nunca encostariam num Marlboro — aparecem vaporizando com naturalidade, como se fosse parte de uma rotina moderna. E embora a publicidade direta seja proibida, a estratégia adotada passa longe da ingenuidade: os dispositivos aparecem em vídeos aparentemente orgânicos, como figurino de uma vida descolada.

A indústria paralela e a estética digital

Mesmo proibida no Brasil desde 2009, a comercialização de vapes segue aquecida — e altamente lucrativa. Só em uma operação da Receita Federal em 2024, foram apreendidas mais de 450 mil unidades de cigarros eletrônicos no Porto de Santos, em São Paulo. É apenas uma fração do que circula pelo país via comércio informal, e-commerce e redes sociais.

A venda acontece principalmente na internet. Sites com aparência profissional se apresentam como “importadoras” e vendem livremente os dispositivos. Já no Instagram e no TikTok, grupos fechados e perfis de “resenhadores” — pessoas que supostamente apenas testam os produtos — criam vitrines disfarçadas para vendas ilegais. A lógica é perversa: o vício é embalado com estética aspiracional, promovido como item de desejo, e comercializado como se fosse cosmético.

Segundo a pesquisa Covitel 2023 (Inquérito Telefônico sobre Fatores de Risco para Doenças Crônicas), 23,9% dos brasileiros entre 18 e 24 anos relataram já ter experimentado cigarros eletrônicos, um número alarmante — especialmente se comparado aos 19,7% registrados em 2022. 

A prática está diretamente ligada a problemas respiratórios, cardiovasculares e neurológicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a epidemia de doenças pulmonares relacionadas a vapes levou centenas de jovens à internação e causou mortes. Por aqui, os casos também existem, mas são subnotificados ou confundidos com infecções virais comuns.

O que preocupa é o desconhecimento sobre os efeitos de longo prazo. Muitos jovens acham que o vape é só “uma fumacinha” e que, por não conter alcatrão, está tudo bem. Mas os líquidos usados contêm nicotina em altas concentrações e outras substâncias tóxicas.

Combater o uso dos vapes é um desafio complexo. O primeiro obstáculo é cultural: enquanto o cigarro foi demonizado ao longo das décadas, o vape ainda está no imaginário da liberdade estética, da juventude, da rebeldia saudável. Campanhas de saúde pública ainda são tímidas, e muitos educadores não sabem como abordar o tema sem parecer alarmista ou ultrapassado. Do lado da fiscalização, a atuação da Anvisa e da Receita Federal tem sido pontual, mas insuficiente. 

O avanço dos vapes entre os jovens brasileiros expõe o descompasso entre a regulamentação vigente e a realidade nas ruas e nas redes. Mesmo proibidos, os dispositivos continuam circulando com facilidade, embalados por estética, influência digital e desinformação. O desafio, agora, é entender até onde vai o impacto de uma geração que busca saúde, mas respira vapor.

 

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