Artigo analisa lei que garante sigilo profissional para portadores de Hanseníase

No lugar de proteger as pessoas, sistema enjeita a população, podendo inibir a busca ativa e obstruir a vigilância de contatos
sábado, 29 de janeiro de 2022
por Marayah Sampaio Ruas da Fonseca*
Caso de hanseníase (Foto: Ambulatório Souza Araújo/Fiocruz)
Caso de hanseníase (Foto: Ambulatório Souza Araújo/Fiocruz)

Caro leitor, você deve ter acompanhado, em recente publicação aqui em A VOZ DA SERRA, que foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro uma lei que garante o sigilo profissional sobre a sua condição para pessoas acometidas com Hanseníase e outras doenças infecciosas transmissíveis como hepatites crônicas (HBV e HCV), vírus da imunodeficiência humana (HIV) e tuberculose. Esse sigilo só poderá ser quebrado nos casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa da pessoa acometida. A lei é favorável para preservar a intimidade dos pacientes, entretanto, pode ser prejudicial para uma importante estratégia utilizada para o controle da Hanseníase, o programa de vigilância de contatos,  que tem se mostrado eficaz para a detecção precoce e tratamento oportuno de casos. Na vigilância de contatos, as pessoas do convívio familiar ou social do paciente são examinadas para manifestações da doença e, caso negativas, podem receber ações de prevenção e orientação pelo serviço de saúde. Para o programa funcionar o contato do paciente precisa saber que manteve convívio com uma pessoa acometida por hanseníase e que está sob risco de adoecer, porque a transmissão da bactéria causadora da Hanseníase se dá de pessoa para pessoa através de contato próximo e prolongado.

Anos após a infecção, no contato suscetível podem surgir sintomas como manchas claras ou amarronzadas na pele onde não se sente o frio, o quente, nem dor, caroços, ou áreas com perda de pelo, pele ressecada, e dormência, dentre outros sinais e sintomas. É importante que os contatos e os profissionais da saúde estejam atentos porque a Hanseníase tem cura e assim que for iniciado o tratamento interrompe a transmissão da bactéria. Porém, se o diagnóstico for tardio ou se o tratamento for inadequado, a doença pode causar incapacidades físicas. São essas incapacidades físicas, acompanhadas por deformidades, que podem causar estranhamento nas outras pessoas, o que por muitos anos gerou discriminação e isolamento das pessoas acometidas. Há uma falsa crença, em que se pega a doença pelo toque, mas isso não ocorre, e logo após a primeira dose do tratamento a bactéria já não é transmitida. A pessoa que está com Hanseníase pode conviver, realizar suas atividades do dia-a-dia e continuar se relacionando normalmente com os outros

Como essa lei que obriga o sigilo sobre a condição de hanseníase pode atrapalhar as ações de combate a hanseníase, de diagnóstico precoce e ao mesmo tempo aumentar o estigma, preconceito e discriminação? No lugar de proteger as pessoas, a lei enjeita a população podendo inibir a busca ativa e obstruir a vigilância de contatos.  Na vida em sociedade de direitos individuais e coletivos, o direito individual ao sigilo precisa ficar subjugado ao direito fundamental e coletivo de garantia de saúde universal, garantido pela Constituição de 1988.

A informação é o caminho mais curto para combater a Hanseníase, esta doença que acomete a pele e os nervos periféricos. Se mal entendida, a Lei nº 14.289  de Janeiro de  2022, se mal entendida, pode induzir o silêncio e aumentar o estigma, podendo obstaculizar a estratégia para o controle da doença. Para a vigilância de contatos dar certo, o paciente precisa falar para os seus contatos e o pessoal de saúde local deve poder convocá-los para exame. Esse parece ser um bom motivo para não exigir o sigilo, certo? Aproveitamos a campanha do Janeiro Roxo, que culmina com o dia Mundial contra a Hanseníase, no último domingo do mês, e, no dia 31, com o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, para lembrar que a Hanseníase tem cura com tratamento gratuito no SUS. Se tiver um problema de pele ou dos nervos de braços e pernas como os descritos acima, vá ao posto de saúde mais próximo e #NãoEsqueçaDaHanseníase!

* Marayah Sampaio Ruas da Fonseca é acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e bolsista de iniciação científica da Fundação Oswaldo Cruz, e dra. Ximena Illarramendi, médica, doutora em Medicina Tropical pelo Instituto Oswaldo Cruz, colaboradora no Ambulatório Souza Araújo, Fiocruz.

 

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TAGS: saúde