Após atuação do MP, prefeitura assume Hospital Psiquiátrico Santa Lucia

Desfecho ocorreu após longo período de tratativas entre a clínica, o município e a Justiça
terça-feira, 05 de abril de 2022
por Jornal A Voz da Serra
Arquivo AVS
Arquivo AVS

Nesta segunda-feira, 4, após recomendação do Ministério Público do Estado do Rio, a gestão do Hospital Psiquiátrico Santa Lucia foi assumida pelo município de Nova Friburgo. O desfecho ocorreu após longo período de tratativas entre a clínica, o poder público municipal e a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Nova Friburgo, com apoio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e Pessoa com Deficiência (CAO Cível/Pessoa com Deficiência), do CAO Saúde e do Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate/MPRJ).

O MP apontou que o município deveria assumir a gestão do serviço para a garantia de direitos das pessoas ali internadas e iniciar a desinstitucionalização, diante da inadequação da instituição aos parâmetros de respeito aos direitos das pessoas com transtornos mentais, visto que o custeio se dá por recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS). A promotora de Justiça Claudia Canto Condack, titular da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Nova Friburgo, comenta a importância dessa mudança para as pessoas:

"A assunção do serviço é um marco na luta antimanicomial e se revela apenas o primeiro, mas importante, passo destinado a extirpar a odiosa lógica manicomial, que ainda sobrevive, numa visão higienista e excludente dos direitos das pessoas com deficiência, cidadãos que possuem os mesmos direitos a acesso a serviços públicos que o restante da população, porém adequados às suas peculiaridades. Assim, começa maior interlocução com as famílias e pacientes, visando à sua desinstitucionalização, seja para retorno ao lar, com tratamento nos CAPS ou encaminhamento a residências terapêuticas, com controle de crise em leitos hospitalares, além da estruturação da RAPS municipal.

Durante o processo para a desinstitucionalização, em 2021, um censo realizado na clínica apontou que 26 pessoas estavam internadas no local há mais de  dez anos, outras 27 pessoas estavam há mais de cinco anos e mais 34 há pelo menos dois anos (RELEMBRE REPORTAGEM DE A VOZ DA SERRA AQUI). Também chamou atenção a constatação de que quase todos os pacientes não estavam em crise quando da realização das visitas para elaboração do censo, e de que a única atividade proporcionada na instituição é "caminhar na clínica durante o dia".

O censo foi elaborado pela Coordenação de Atenção Psicossocial, o Núcleo Estadual de Saúde Mental, e a Equipe de Saúde Mental de Nova Friburgo e dos demais municípios que transferiam pessoas ao local , com apoio de estudantes do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso). Antes disso, relatório produzido no âmbito da Inspeção Nacional de Hospitais Psiquiátricos, publicado em 2020, constatou que o local era insalubre e de violências cotidianas, que vão da falta de planos individualizados de tratamento à privação de liberdade.

Em  14 de maio de 2021, em razão de recomendação do MPRJ, o município de Nova Friburgo publicou decreto estabelecendo a intervenção e, na mesma data, se direcionou ao Hospital Psiquiátrico para assumir o serviço. No entanto, o Hospital Psiquiátrico Santa Lucia impediu o acesso pela Secretaria Municipal de Saúde mental às dependências da instituição, o que apenas se concretizou na presente data. Em 27/10 do ano passado, após tratativas com o Estado, outro importante passo foi realizado, com a interrupção do fluxo para a Clínica Santa Lucia pela regulação, ficando fechada a Porta de Entrada.

O CAO Cível/Pessoa com Deficiência/MPRJ e o CAO Saúde/MPRJ ressaltam que, nos últimos 20 anos, desde a promulgação da Lei 10.216 em 2001, a reforma psiquiátrica produziu avanços de Norte a Sul do país, fechando de maneira pactuada e programada leitos em hospitais psiquiátricos e implementando uma rede de saúde mental de base territorial.

O que diz a prefeitura

Em nota divulgada no fim da semana passada, a prefeitura informou que “durante a transição, os funcionários conheceram a rotina da unidade e dos pacientes e a nova direção administrativa pode ter conhecimento sobre o funcionamento de questões básicas da Clínica Santa Lúcia. Alguns funcionários que já trabalhavam no espaço participaram de um processo seletivo e continuarão trabalhando após a entrada da Secretaria Municipal de Saúde à frente da administração clínica.”

A nota também informa sobre a realização de encontros com familiares dos internos e funcionários . “O diálogo com as famílias e os funcionários também foi realizado pela secretária de Saúde, Nicole Cipriano, que disse que o objetivo neste momento é acolher os parentes e os internos da unidade.”

Ainda de acordo com a prefeitura, o objetivo da intervenção na casa é obedecer a nova abordagem adotada no trato da saúde mental, que desconsidera a internação dos pacientes, como prevê a Luta Antimanicomial e a lei federal que versa sobre o tema. No período de transição, desde maio do ano passado, 29 pacientes da clínica receberam alta e voltaram para suas casas, de acordo com a prefeitura. Isso aconteceu depois de avaliação psico social dos pacientes feita junto com o Centro Universitário da Serra dos Órgãos (Unifeso), para que os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde tivessem ciência sobre cada interno e seu histórico.

A nota da prefeitura informou também “que essa desinstitucionalização é uma atividade social complexa, que leva anos para ser totalmente aplicada. Esse é um processo que visa modificar a forma de organização das instituições psiquiátricas, criando estruturas que venham substituí-las, como, por exemplo, as residências terapêuticas, a prefeitura já está trabalhando para implementá-las.” 

Além disso, de acordo com a prefeitura, a Secretaria Municipal de Saúde está focada em estruturar e equipar melhor os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), entre eles, CAPSi, com assistência infantil, CAPs AD, para reabilitação e tratamento de usuários de drogas e álcool e o CAPs 3, com atendimento 24 horas.

A Secretaria Municipal de Saúde de Nova Friburgo se preparou para a ingressão efetiva na clínica, com a abertura de processos para aquisição de itens essenciais como comida, água, produtos de limpeza, material de higiene, material médico e medicamentos.

Como funcionará a clínica

A partir desta segunda-feira, a Clínica Santa Lúcia será comandada por um interventor e terá um diretor administrativo, um diretor médico e um enfermeiro chefe, responsáveis pelos 117 internos hoje na instituição. Um projeto de lei complementar criando os cargos para assumir a Clínica Santa Lúcia foi enviado para a Câmara Municipal nesta semana.

O decreto ainda determina que “a contar do afastamento dos membros da Clínica de Repouso Santa Lúcia, que se dará a partir da publicação do presente decreto, qualquer ato praticado pelos mesmos será considerado nulo de pleno direito”, além de “os administradores da Clínica de Repouso Santa Lúcia e, eventuais órgãos de gestão ou conselheiros ficam desabilitados de sua gestão, que passará a ser respondida pelo Município de Nova Friburgo, sob a fiscalização do Conselho Municipal de Saúde, demandando prestação de contas e apuração de responsabilidades quando cabíveis.”

O decreto também determina que, caberá à Ordenadora de Despesa da Secretaria Municipal de Saúde requisitar, gerir e utilizar os recursos destinados à Clínica de Repouso Santa Lúcia; movimentar, admitir e demitir empregados, bem como gerenciar toda a administração de pessoal, necessária ao bom andamento dos serviços;  promover a contratação temporária de pessoal, em caráter excepcional, com vistas a suprir as necessidades da unidade de saúde, através de processo seletivo simplificado;  estabelecer as medidas técnicas, administrativas, jurídicas e financeiras necessárias ao pleno funcionamento da clínica; firmar e rescindir convênios e contratos; promover compras de equipamentos, medicamentos, insumos e suprimentos, bem como promover contratações, entre outros.

LEIA MAIS

Confira a origem da data e a importância do profissional na sociedade

Instituição recebeu medicamentos que deveriam ter sido descartados há dois anos

Ao todo, cerca de 18 imunizantes estarão disponíveis para todas as idades, mas especialmente para as crianças e adolescentes

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: saúde | Governo