Censo revela perfil inédito de 110 internos da Santa Lúcia e indica como tirá-los de lá

Coordenação de Atenção Psicossocial do estado sugere encaminhar 52 para Residências Terapêuticas, dar alta a 31 e mandar 6 de volta para casa, em seus municípios de origem
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)
A Clínica de Repouso Santa Lúcia: mais de 50 anos em Mury (Reprodução da web)
A Clínica de Repouso Santa Lúcia: mais de 50 anos em Mury (Reprodução da web)

Realizado entre 15 de junho e 1º de julho deste ano, o Censo Psicossocial  da Clínica de Repouso Santa Lúcia, elaborado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) e apresentado pelo Ministério Público Estadual, traça um perfil inédito de 110 internos e indica o planejamento inicial para desinstitucionalizá-los, como pretende a Prefeitura de Nova Friburgo. Em maio, o prefeito  Johnny Maycon anunciou uma intervenção na clínica e a não renovação do contrato de prestação de serviço de internação psiquiátrica para pacientes do SUS. Mas a Câmara Municipal derrubou o decreto e a questão foi parar na Justiça.

Entre as conclusões e o planejamento da Coordenação de Atenção Psicossocial da SES, a orientação sugerida pela equipe que elaborou o censo é encaminhar pelo menos 52 dos 110 internos a uma Residência Terapêutica; dar alta e acompanhamento na Atenção Básica a 31;  e encaminhar seis de volta para casa, em seus municípios de origem, com cuidados intensivos. 

O dossiê revela que a clínica localizada há mais de 50 anos em Mury recebe pacientes de outros 15 municípios, sendo  Teresópolis o segundo maior contingente, depois de Friburgo. São 52 internos de Friburgo, 27 de Teresópolis, sete de Cachoeiras, cinco de Bom Jardim, quatro de Duas Barras, três de Cordeiro, dois de Guapimirim, dois de São Sebastião do Alto,  um de Cabo Frio, um de Cantagalo, um da capital, um de São José do Vale do Rio Preto e um de Trajano de Moraes. 

Com base no perfil traçado dos internos, a equipe do censo indica um planejamento para todos os 16 municípios internantes, que se responsabilizarão por seus pacientes. Para Friburgo, por exemplo, a primeira Residência Terapêutica (RT), para 26 pessoas, está prevista para sair até o fim do ano. A cidade ainda ganhará mais duas, segundo informações do MP, como noticiou A VOZ DA SERRA. Teresópolis, por sua vez, terá 13 pacientes encaminhados para RTs e 14 de volta para casa.

Segundo apurou o censo,  transtorno mental é o motivo da maioria das atuais internações: 55 delas. A segunda maior causa (para 26 internos) é “precariedade social”. Ordem judicial foi determinante para 14. Neste quesito, o dossiê assinala que “são pacientes de longa permanência; que a maioria dos internos não estava em crise; que a existência de transtorno mental não justifica a manutenção dos internos em manicômio por mera condição psíquica; e que foi constatada inadequação da clínica para o tratamento de transtornos mentais. Logo, o motivo real da permanência é o próprio processo de institucionalização, típico da instituição manicomial”, destaca o dossiê da SES.

O perfil dos internos

O perfil médio da pessoa internada na Clínica Santa Lúcia é homem, branco, solteiro, entre 39 e 48 anos, com alguma renda e Primeiro Grau incompleto.  Os homens são maioria (75%), contra 25% de mulheres.  Do total de  internos perfilados,  43,39% têm alguma renda, contra 34,31% que não possuem. Mas não há informações sobre os outros 33,30% restantes (na foto acima, festa de Natal em 2019).

O censo revela ainda que a clínica, diferentemente do que muitos pensam, não é um lugar de idosos. A maior parte dos internos (35 deles) tem entre 39 e 48 anos; 26 têm entre 49 e 58 anos, 22 têm entre 59 e 68 anos. Somente sete têm mais de 68 anos e outros sete têm entre 18 e 28. Treze têm de 29 a 38 anos. 

A grande maioria (58), ou quase 60%,  não têm onde morar fora da clínica. Outros 33 disseram ter onde ficar. E apenas cinco disseram ter moradia regular fora da Santa Lúcia. Entre os entrevistados não há ninguém albergado em abrigo público nem em situação de rua.

Ócio e solidão

Outro dado relevante mostra o peso da ociosidade entre os internos. Caminhar pela clínica durante o dia é a única atividade diária para 57  deles e “passar o dia na cama”, para 30.  A maioria (23) está aposentada, enquanto outros 19 estão desempregados. Sete disseram não ter ocupação. Entre os que têm uma profissão, há um pedreiro, um vendedor, um servente, um operador, um pintor, um “do lar”, um auxiliar de restaurante e um ajudante de caminhoneiro. 

A maior parte (24) estava empregada, porém sem carteira assinada, na época da primeira internação, enquanto hoje a maior parte (30) estava desempregada quando foi internada.

A esmagadora maioria (73) é de solteiros, contra apenas 16 separados, sete casados e três viúvos. As redes de apoio com que contam são sobretudo de familiares (66). Quatro disseram que contam com um amigo. Mas 22 disseram não ter ninguém com quem contar. 

Sobre visitação, 22 não recebem ninguém e 65 são visitados por familiares. Quanto à situação jurídica, a maioria dos internos (52) é de curatelados, enquanto 31 respondem pelos próprios atos. A maior parte (56) foi internada sem ordem judicial, mas 35 estão lá por decisão de um juiz.

A maioria (62) não sai da clínica, enquanto 24 saem somente se acompanhados. Apenas dois saem de licença sozinhos.

Bagagem

A maior parte dos internos (34) está na Santa Lúcia há mais de dois anos e menos de cinco. Em seguida, vêm os 27 com mais de cinco anos e menos dez de internação. O terceiro maior grupo (26) tem mais de dez anos de internação. Apenas 17 têm entre um ano e dois anos de internação; e só quatro têm menos de um ano.

A maioria (50) tem na bagagem entre duas e dez internações, enquanto 23 têm mais dez. Entre os que têm múltiplas internações,  51 o fizeram em uma mesma clínica.

Antes da internação atual, a grande maioria (59) se submetia a tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial da prefeitura) ou em outros serviços de atenção diária. Mas 26 não recebiam nenhum tratamento extra-hospitalar. Apenas três eram atendidos em ambulatório. 

Dos 110 entrevistados, 105 fazem uso de múltiplos medicamentos e só três tomam apenas um remédio.

Lucidez

A grande maioria (70) responde adequadamente ao que lhe é perguntado, 17 respondem sem nexo e 16 não respondem. Também a grande maioria (85) anda sem ajuda e só 11 com dificuldade. Higiene precária e roupas desalinhadas são características de apenas dois internos e só um não consegue permanecer vestido. Dos 110, 80 tomam banho e se vestem sozinhos e só 18 precisam de ajuda.

A grande maioria (46) tem o Primeiro Grau incompleto, 11 conseguiram terminar e três fizeram faculdade. Por outro lado, 14 são analfabetos e 11, apenas alfabetizados. Mas outros 25 não souberam informar o grau de estudo.

O censo

O censo psicossocial da clínica Santa Lúcia  foi apresentado pelo Ministério Público Estadual na última sexta-feira, 17, visando à desinstitucionalização dos internados na unidade. Como A VOZ DA SERRA noticiou, durante o encontro foi informado que há estimativa de implantação de Residências Terapêuticas pelo estado, com uma unidade em cada um dos seguintes municípios: Bom Jardim, Cabo Frio, Santa Maria Madalena; duas novas em Teresópolis; e três em Friburgo.

Entre as próximas ações, de acordo com o dossiê da SES, estão a criação de um grupo de trabalho de desinstitucionalização, suprir apoio técnico ao município de Nova Friburgo e promover programas de acesso a renda. 

O censo foi apresentado pelo coordenador de Atenção Psicossocial da Superintendência de Atenção Psicossocial e Populações Vulneráveis da Secretaria estadual de Saúde, Daniel Elia. O dossiê foi elaborado pela Coordenação de Atenção Psicossocial, o Núcleo Estadual de Saúde Mental e a Equipe de Saúde Mental de Nova Friburgo e dos demais municípios internantes, com apoio dos estudantes do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso).

Pelo MP, participaram as promotoras Claudia Condack (da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de  Friburgo), Letícia Martins Galliez (da Promotoria de Justiça de Família), Sheila Cristina Vargas Ferreira (da Promotoria de Justiça de Carmo), Renata Scharfstein (coordenadora do Centro de Apoio Operacional Cível/Pessoa com Deficiência do MP), Márcia Lustosa (coordenadora do CAO Saúde do MP), e Cristiane Branquinho (coordenadora do CAO Idoso do MP), além de integrantes da equipe técnica do Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate do MP) e do Núcleo de Apoio Técnico Multidisciplinar (NATEM/MPRJ). Por parte do Estado, além de Daniel Elia, estiveram presentes Rodrigo Japur (diretor do Núcleo Estadual de Saúde Mental-SES-RJ), Cintia Gil Cavalcante Moutinho (apoiadora da SES-Região Serrana) e, pelo município de Nova Friburgo, o coordenador de Saúde Mental, Felippe Schenquel, e a coordenadora da Comissão de Apoio Técnico (CAT) da Saúde Mental, Helena Ventura.

 

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TAGS: saúde | Governo