Apontado como “chefe de esquema”, ex-secretário de Governo teve bens apreendidos

Liberação parcial de consulta a processos evidenciam ligação entre operações legislativas e policiais em Nova Friburgo neste governo
sábado, 26 de setembro de 2020
por Jornal A Voz da Serra
Bruno Villas Boas, aliado número 1 de Renato Bravo
Bruno Villas Boas, aliado número 1 de Renato Bravo

A coluna do Massimo na edição de sexta-feira, 25, reuniu informações que começaram a se tornar públicas a partir da liberação, pela Justiça, do acesso parcial a alguns processos envolvendo episódios recentes da política friburguense, e que evidenciaram os laços de ligação entre algumas das operações legislativas levadas adiante já na atual Legislatura e determinadas operações policiais ocorridas na cidade ao longo do mesmo período.

Nos dois extremos das ações, as informações já eram em grande parte conhecidas, e haviam sido devidamente registradas nas páginas de A VOZ DA SERRA na medida em que foram acontecendo. No espaço existente entre elas, contudo, no campo da atuação judicial após ter sido provocada pelo Poder Legislativo, na forma segura como a Justiça tem se referido às informações reunidas e seus agentes, e na maneira como tais informações redundaram em operações, aí sim o acesso a tais documentos acrescentou diversas peças que faltavam à narrativa, permitindo estabelecer algumas relações de causa e efeito.

Com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor a respeito do desenrolar das investigações envolvendo especificamente a aquisição de medicamentos com sobrepreço a partir do abandono de processo licitatório considerado maduro ainda no início da atual gestão municipal, AVS publica aqui uma resumida cronologia dos fatos.

O primeiro sinal                                                             

Para quem não tomou parte diretamente no processo de transição, e portanto não tinha conhecimento a respeito do que se passava nos bastidores do Palácio Barão de Nova Friburgo, o primeiro sinal externo de que havia interferências no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde se deu no dia 15 de fevereiro de 2017, quando foi publicada a portaria 950 de 14 de fevereiro de 2017, com efeitos administrativos retroativos ao dia anterior, onde se lia a exoneração de Rodrigo Romito Gonçalves do cargo de secretário municipal de Saúde após apenas 45 dias de governo. Apurações futuras iriam indicar que a determinação do governo no sentido de levar adiante a adesão à Ata de Registro de Preços de Duque de Caxias, em desfavor ao processo licitatório 1077/16, que já encontrava-se publicamente apto para o devido seguimento desde 9 de novembro de 2016, foi fator decisivo para o pedido de exoneração do ex-secretário, juntamente a outros fatores que, no futuro, iriam redundar inclusive em CPI.

Requerimento

Um dia depois, em 16 de fevereiro, o vereador Nami Nassif elaborou requerimento de informações reunindo 18 perguntas sobre o abandono do processo licitatório em favor da adesão à Ata de Duque de Caxias. As respostas ao requerimento não redundaram em denúncia ou investigação.

“Empréstimo”

No dia em que celebrou-se o aniversário de 199 anos de Nova Friburgo um fornecimento de medicamentos e insumos por parte do Instituto Unir Saúde ao Hospital Raul Sertã, que mais tarde seria tratado como “empréstimo”, para o qual não existe previsão legal, foi flagrado pelos vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão e Wellington Moreira. Os parlamentares identificaram irregularidades e as comunicaram ao plantão do Ministério Público Estadual, que encaminhou agentes do Grupo de Apoio à Promotoria (GAP) ao hospital. A busca por compreender o contexto em que havia se dado procedimento tão desconectado dos trâmites habituais levou os três vereadores, e também Johnny Maycon e Marcinho Alves a darem início à investigação que evoluiria para a operação legislativa “Mãos de Sangue”.

O avanço das investigações confrontou os parlamentares com o esforço do então coordenador de transição por parte do governo eleito, Bruno Villas Bôas, no sentido de interromper o processo licitatório e promover a adesão à Ata de Duque de Caxias. A primeira tentativa neste sentido se deu no dia 8 de novembro de 2016, data da única reunião de transição dedicada à Saúde, e também a mesma data na qual a ata em questão havia sido solicitada, na Baixada Fluminense. Tentativas posteriores, feitas através de e-mail, foram copiadas ao então prefeito Rogério Cabral e ao prefeito eleito Renato Bravo, que tinha, portanto, conhecimento a respeito do que se passava.

Quebra de sigilo telefônico

A posterior quebra do sigilo telefônico de Bruno Villas Bôas iria registrar 26 telefonemas trocados entre o ex-secretário de Governo e da Casa Civil e os sócios da empresa Telemedic naqueles primeiros meses de 2017. Na avaliação do Ministério Público Federal, “a frequência e intensidade da comunicações demonstra o vínculo formado pelos principais agentes do esquema criminoso”. 

Mãos de Sangue

No dia 23 de outubro de 2017 foi finalizada a peça “Mãos de Sangue”, que ao longo de 166 páginas reuniu as informações levantadas pelos vereadores Professor Pierre, Johnny Maycon, Wellington Moreira, Marcinho Alves e Zezinho do Caminhão, a partir das investigações iniciadas com o “empréstimo” de medicamentos flagrado no dia 16 de maio.

A peça foi originalmente encaminhada ao Ministério Público Federal, e em momentos posteriores ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e à Polícia Federal. Seu conteúdo evidenciava a intencionalidade dos atos cometidos quando do abandono do processo licitatório em favor da adesão à ata de registro de preços, bem como expunha o prejuízo causado ao erário a partir da adoção deste caminho.

Tiro

Exatos 40 dias após a peça “Mãos de Sangue” ter sido protocolada na Justiça, o carro do vereador Professor Pierre, relator da peça, recebeu um impacto que a perícia realizada pela Polícia Civil iria descrever como “compatível com arma de fogo”.

Juízo Final

Em setembro de 2019 o vereador Professor Pierre, desta vez atuando isoladamente, concluiu e protocolou a suboperação “Juízo Final”, primeiro junto à Polícia Federal, e a seguir no Ministério Público Federal e no TCE-RJ.

A nova peça, essencialmente um desdobramento da anterior, apresentou uma metodologia de comparação de preços que seria ratificada pela análise de expert do MPF, e que permitiu quantificar o prejuízo imposto ao erário através da adesão à ata de Caxias.

Carona de Duque

A seguir, no dia 22 de janeiro de 2020, como desdobramento das investigações listadas acima, foi deflagrada a Operação "Carona de Duque", amplamente noticiada no Brasil inteiro. Fruto de atuação conjunta por parte do Ministério Público Federal (por ação dos procuradores da República João Felipe Villa do Miu e Felipe Almeida Bogado Leite); da Polícia Federal (sob o comando do chefe do departamento em Macaé, delegado Alexandre do Nascimento), e da Controladoria-Geral da União.

À época, a comunicação da CGU informava que o objetivo da operação era “combater fraudes na área da saúde no município de Nova Friburgo”, e acrescentava que “a pedido da PF e do MPF, a CGU realizou levantamento de informações sobre a aplicação, pela Prefeitura de Nova Friburgo, de recursos para aquisição de medicamentos, por meio de adesão à Ata de Registro de Preços da Prefeitura de Duque de Caxias, no período de 2016 a 2017. Os auditores constataram ilícitos na contratação de empresas fornecedoras de medicamentos, com superfaturamento da ordem de R$ 680 mil de uma amostra analisada de R$ 1,34 milhão. Os fatos investigados são relativos à possível ocorrência de corrupção ativa e passiva, fraude ao caráter competitivo da licitação e peculato.” 

Os fatos novos

Até pouco tempo atrás, todo o andamento dado pela Justiça às informações juntadas nas operações legislativas aqui descritas estava sob sigilo. Recentemente, contudo, parte deste material passou a estar disponível a acessos, permitindo estabelecer relações de causa e efeito entre as investigações e as operações, informando a respeito das primeiras consequências das informações apuradas e dando sinais importantes a respeito do entendimento judicial a respeito de tudo o que se passou em Nova Friburgo em razão deste episódio específico.

Em manifestação do MPF, assinada pelos procuradores da República João Felipe Villa do Miu e Felipe Almeida Bogado Leite, lê-se: “Em novembro de 2017, o Ministério Público Federal recebeu substanciosa representação formulada por vereadores de Nova Friburgo dando conta de graves crimes praticados em contratações feitas pela Secretaria Municipal de Saúde ao longo de 2017. Os desvios de conduta reportados são graves e têm relação direta com a deterioração dos serviços de saúde pública no município, no ano de 2017 em diante, que vem afetando milhares de pessoas usuárias do SUS em Nova Friburgo e região circunvizinha.”

“O aprofundamento da investigação do evento ‘Carona Caxias’ e o afastamento dos sigilos forneceram quadro probatório consistente da existência de esquema criminoso articulado para a prática de delitos de associação criminosa, fraude ao caráter competitivo de licitação e peculato, além de indícios de corrupção ativa e passiva. Em síntese, a investigação do MPF reuniu provas de atuação criminosa de agentes públicos e empresários de distribuidoras de medicamentos para desvio de verbas da saúde municipal.”

Na mesma peça, Bruno Villas Bôas, que foi coordenador de campanha de Renato Bravo à prefeitura em 2016, coordenador da transição de governo e ex-secretário municipal de Governo e da Casa Civil durante a primeira metade da atual gestão municipal, é descrito sem meias palavras como “chefe do esquema”.

Outros quatro ex-servidores também tiveram suas atuações identificadas na ação. Entre eles estão as ex-secretárias municipais de Saúde Suzane Oliveira de Menezes e Michelle Silvares Duarte de Oliveira. 

Bens apreendidos

O Juízo autorizou a Delegacia de Polícia Federal de Macaé/RJ a utilizar, provisoriamente, os veículos Jeep Compass, placa KYY-5662, e Chevrolet S10, placa LUR-5236, apreendidos entre os bens de Bruno Villas Bôas. Conforme manifestação da Procuradora Regional da República Marcia Morgado Miranda no dia 15 de junho de 2020, “Nos autos da medida cautelar nº 5002728-78.2019.4.02.5105 foi determinada, nos termos requeridos pelo MPF, a indisponibilidade de ativos e bens do investigado, via BacenJud e RenaJud, até o limite de R$ 684.736,49, bem como a busca e apreensão em bens de alto valor, desde que não fosse apresentada prova documental cabal da origem lícita dos bens.”

“O MPF, em sua petição inicial naqueles autos, reporta-se a novembro de 2017, quando recebeu representação formulada por vereadores friburguenses, na qual era relatada a possível prática de delitos em contratações realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Nova Friburgo, ao longo de 2017. Os crimes relatados teriam dado ensejo a dois grupos de eventos criminosos: um denominado ‘Carona Caxias’, por meio do qual se apuram as possíveis práticas de fraude licitatória, superfaturamento, peculato e corrupção passiva na aquisição de medicamentos pela Secretaria de Saúde de Nova Friburgo, por meio da adesão à Ata de Registro de Preços de Duque de Caxias, e outro denominado ‘Contrato Bioxxi’, em que se investigam as supostas práticas de dispensa ilegal de licitação, desvio de verbas e corrupção passiva praticados em contratação emergencial de serviço de esterilização para a Central de Materiais de Esterilização do Hospital Maternidade de Nova Friburgo pela empresa Bioxxi Serviços de Esterilização Ltda.”

O trecho final desta manifestação também reforça a relação existente entre as denúncias do Legislativo e a operação “Esterilização”, que no dia 20 de dezembro de 2017 redundou no afastamento da então secretária de Saúde Suzane Oliveira de Menezes e uma das subsecretárias de Saúde, Michelle Silvares Duarte de Oliveira, em cumprimento a cinco mandados de busca e apreensão e dois afastamentos compulsórios do cargo autorizados pela Justiça Federal através de pedido do Ministério Público Federal.

Uma de muitas

Partes dos processos em andamento seguem sob sigilo, o que atesta que as investigações continuam em curso. Todos estes desdobramentos, contudo, referem-se apenas aos episódios da adesão à Ata de Caxias e ao contrato emergencial para esterilização externa, cujo valor, pelo prazo de seis meses, superava em mais de 20 vezes o volume de recursos que se revelaria necessário para recuperar a Centra de Materiais e Esterilização do Hospital Raul Sertã, em 2017. É importante observar que há muitas outras linhas de investigação ativas, cujos efeitos ainda não são perceptíveis.

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TAGS: Governo | saúde