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Quando meu pai era gigante

Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
Quando eu era pequeno, meu pai era o homem mais forte do mundo. Ele alcançava coisas no alto dos armários, carregava sacolas pesadas com uma só mão e tinha um jeito de abrir os potes de palmito que parecia mágica. Bastava um giro do punho e lá estava ele, sorrindo com o vidro aberto, como quem vence uma batalha invisível.
Meu pai era desses homens que falam pouco, observam e fazem muito. Tinha um jeito quieto de amar — fazia o café passado na hora certa, o almoço de domingo, tentava me ensinar a jogar bola — embora eu nunca tenha aprendido muito bem. Dizia “eu te amo” com gestos, com presença, com olhos atentos aos meus passos desajeitados.
Havia nos seus olhos um cansaço, desses que os anos vão empilhando sem cerimônia. Só entendi depois, que crescer e abdicar de si pelo outro também dói. E que ser pai talvez seja carregar o mundo nas costas fingindo que ele não pesa. Fingindo que está tudo sob controle mesmo quando nada está.
Meu pai parecia saber de tudo, até daquilo que eu nem sabia perguntar. Ele me ensinava coisas sem parecer que estava ensinando. Como puxar assunto com o vizinho, como respeitar o tempo das pessoas, como apertar a mão com firmeza e olhar nos olhos. Quando dirigia, mostrava os caminhos da cidade e os da vida. Quando se calava, ensinava sobre a importância do silêncio. Um mestre escondido no corpo de um homem comum.
Achava que ele nunca chorava. Um dia, o vi desabar em lágrimas como nunca imaginei. Descobri, então, que gigantes também choram. E que o amor, às vezes, escapa por onde a gente menos espera. Um olhar, um bilhete, um gesto que parece simples, mas guarda um mundo dentro. Desde então, passei a reparar mais.
O tempo passou — como passa para todos os filhos e todos os pais. E aquele super poderoso ser humano foi se tornando um homem. A força de carregar pesos descomunais foi sumindo. As dores, crescendo. O seu jeito apressado foi substituído por andar mais devagar, como quem conta os passos. E eu, que agora sou adulto, tento não esquecer que ele ainda é o meu herói.
No espelho, às vezes, vejo os traços dele nos meus. O mesmo franzido entre as sobrancelhas, a mesma forma de falar sozinho pela casa quando penso demais, a mesma calvície de quando eu o chamava de careca. Herdei dele não só o jeito de andar, mas um modo de ver o mundo com simplicidade. Como se o segredo estivesse nas coisas pequenas: o modo de trabalhar, de cuidar das pessoas, de ser forte quando o mundo desaba.
Hoje, quando ele fala, eu escuto como quem recolhe diamantes. Às vezes, frases curtas. Outras vezes, lições. Algumas ditas com esforço, outras em forma de piada. Mas todas carregam um tanto de sabedoria que só quem viveu muito e amou mais ainda consegue passar. Meu pai me ensina, todos os dias, que o amor não precisa ser barulhento para ser verdadeiro. Que o afeto mora na constância.
O Dia dos Pais não é sobre presentes embrulhados com fita. É sobre memória. Sobre a lembrança do colo, do cheiro da camisa, da gargalhada que parecia trovão. Sobre as vezes em que ele fez, mesmo cansado, só para garantir que tudo estava bem. Coisas que, agora adulto, reconheço como amor em estado puro.
Se seu pai está por perto, abrace. Se já partiu, feche os olhos e abrace mesmo assim. Eles continuam conosco, morando em detalhes que só a saudade sabe apontar: uma música antiga, o nome de uma rua, um conselho que vem do nada. E a gente sorri, meio triste, meio grato, como quem recebe uma visita inesperada da memória.
E se você não conheceu seu pai, certamente teve ao lado alguma figura que assumiu esse papel. Às vezes foi o avô, o tio, o padrasto. Outras vezes, uma mulher — forte, incansável — que precisou reunir em si o carinho de mãe e a firmeza de pai. Porque o amor paterno, mesmo disfarçado, sempre encontra um jeito de chegar.
Ser pai é um ofício sem manual, sem folga, sem hora certa para dormir. E ainda assim, tantos se dedicam com coragem. Se reinventam, aprendem com os filhos, erram, acertam, seguem. São nossos primeiros heróis. E às vezes, mesmo depois de tantos anos, continuam sendo. Basta um gesto, um cheiro, uma história — e de repente, somos de novo os filhos de alguém.
Eu olho pro meu pai hoje como quem relê um livro querido: o tempo pode ter passado pelas páginas, mas cada palavra ainda carrega um valor imenso. E me orgulho de ter sido, um dia, seu menino. Porque no fundo, sempre seremos. Crescer não apaga o vínculo — apenas nos coloca, pouco a pouco, no lugar deles. E só então entendemos o quanto é difícil ser gigante.

Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
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