Slackline

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 05 de junho de 2021
Foto de capa

Estou tentando recuperar algumas coisas na vida. Velhos amigos e velhas histórias. Antigas paixões e antigos amores. É mais do que só lembrar ou rememorar passagens e momentos. Também não tenho a pretensão de vivenciá-los de novo, da mesma forma. Isso é impossível, mas mesmo que possível fosse, não é exatamente o que quero. O que quero é dar novas chances a episódios que pareciam esgotados. Há mais por experimentar. 

Estender um imenso varal com fotos de mesmos personagens, mas por novos ângulos. Trata-se disso: dar novas chances a mim mesmo. Não. Não estou mal. Nem sentimentalmente, nem filosoficamente. O psicológico vai bem. Maduro ainda que tal maturidade seja mais resultado da admissão de toda a minha imaturidade. Eu gosto de flertar entre esses contraditórios quase extremos para ver se fico mais equilibrado.  

Já tentei andar no slackline. Dou mais passos na vida sem me arrebentar no chão do que nas tais cordas amarradas entre uma árvore e outra. Deve ser a prática. Pode ser o medo. Mas se do chão não passa.... Penso. Ajo. Fujo. Do slackline. Da vida? Estou calejado ainda que cada vez mais fascinado. 

Entusiasmado, vez em quando acordo em meio a um pesadelo. Mas logo que desperto, o susto se esvai, ainda que a tensão do medo siga por uns minutos mais, alerta. Porém, o entusiasmo pela vida em seu tempo me faz ir. E vou. Vivendo as horas sem traduzi-las. Por vezes, entendo o que falam. Por vezes, parecem um chinês de sotaque russo. Querendo novidades novas e antigas também, eu vou. No idioma esperanto tanto fazer o mundo entender que eu gosto dele, ainda que o mundo seja como é.           

Se eu queria estar melhor? Sempre queremos. Não posso reclamar. Rio de mim mesmo e dos meus pretextos. Estou bem, saudável. Ainda que a morte torne necessidades em urgências, não tenho nem necessidades ou urgências. Mesmo ciente de minha alma inquieta. Mesmo convicto do ser nostálgico e ansioso que sou. Busco nessa linha elástica recuperar tudo isso que perdi ou nunca ganhei.

Entre uma árvore e outra há tanta vida, há tanto céu. O quanto posso olhar para trás? Talvez, melhor seja trazer o que ficou para trás sem intenções de acúmulos. Para não cair, a leveza é mais importante que a força e é da soma de ambos que o equilíbrio se faz vigente.

Você é de aventuras? Ao procurar respostas talvez faça da busca a própria aventura. Estou querendo recuperar alguns passos de balé. Nunca fui dançarino ou contorcionista. Deixo a vida conduzir os passos, desde que eu escolha a música. 

Tenho carregado fotos comigo de amigos que não vejo há tempos. Tenho sentido certas saudades de amores e paixões. Reverencio as suas belezas e o quanto me fizeram e ainda me fazem feliz. Não tenho coleções para além dos álbuns de figurinhas de chicletes de quando eu era criança. 

Se eu pudesse parar no meio dessa corda bamba e ficar ali por alguns instantes, inerte aos mais fortes ventos, eu ficaria. Inebriado, seduzido pelo tempo paralisado com a vida correndo e pulsando em torno de tudo... 

Então, eu pularia. E mesmo que a menos de um metro e meio do chão, eu voaria. Voando, já não prezaria se sou eu no todo ou se é o todo em mim. Somos encontros e nada mais.      

 

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