No mês passado, o “Estudo sobre o coronavírus na América”, publicado no American Journal of Preventive Medicine, informou que, nos Estados Unidos, quase um quarto das pessoas com Covid-19 se sentiram discriminadas quando outras pessoas souberam da doença. A pesquisa ainda revelou que este índice é ainda maior entre as minorias étnicas. Segundo a pesquisa, que ouviu 7.475 pessoas, desde o início da pandemia, um em cada três negros, asiáticos e latinos sofreu pelo menos um incidente de discriminação relacionado ao coronavírus. Para ter ideia, esta proporção entre brancos é de um em cada cinco.
Em Nova Friburgo, já são quase 1.800 pessoas confirmadas com a doença, sendo cerca de 800 recuperados. A prefeitura admitiu em algumas oportunidades que tem dificuldade em monitorar todos os casos e que não há como testar a todos os moradores. Para alguns especialistas, apesar de não se ter certeza, um paciente pode se curar após 14 dias de infecção e não há a necessidade de fazer testagem, embora seja aconselhado.
A infectologista Délia Engel (foto) diz que alguns estudos mais atuais sugerem que determinados pacientes precisem de um tempo maior para se curarem. No entanto, a médica observa que como a doença é recente e qualquer conclusão se torna precipitada. Esta incerteza de tempo de cura pode ser um fator que aumente uma possível discriminação de quem se infectou.
“São questões em aberto na ciência até o momento. Me sinto na obrigação de falar que o que tem de mais recente são dúvidas. Aparentemente, a grande maioria das pessoas não contagia após 14 dias do início dos sintomas, mas talvez isso não seja em 100% dos casos, e estamos aprendendo isso literalmente agora. A gente só aumenta o tempo nos pacientes graves e que ficam em ventilação mecânica internados em UTI. No geral, são 14 dias – sendo as últimas 48 horas sem sintomas – e, até o momento, não há necessidade de colher novo teste, teoricamente não contamina.
Patrícia Lima Hottz (foto), que também é infectologista e mestre em doenças infecciosas e parasitárias pela UFRJ, cita a nota técnica da Anvisa atualizada no início deste mês que indica um período menor que duas semanas. “Pacientes com quadro leve a moderado estão liberados após dez dias do início dos sintomas e com pelo menos 24 horas sem sintomas.
Já pacientes com quadros graves ou imunodeprimidos (por doença imunossupressora ou medicação) devem permanecer isolados por 20 dias a contar do início dos sintomas e com pelo menos 24 horas sem sintomas. Aqueles assintomáticos diagnosticados com teste Rt PCR detectado devem ficar isolados pelos mesmos períodos a partir do exame positivo (vale somente para este teste e não para testes sorológicos). Demais situações específicas devem ser avaliadas caso a caso por um infectologista”, orientou Patrícia.
Como será a vida após este período
Além da tensão de estar com um vírus que já matou mais de 100 mil pessoas no Brasil, sendo 79 só em Nova Friburgo, ficam as incertezas sobre como será a vida pós-infecção e como será o relacionamento com as pessoas próximas. O medo de ter um tratamento diferenciado, interpretado como preconceito, tem sido tema debates entre psicólogos e relatado em sessões de terapia.
Para a psicóloga Clara Rodrigues (foto), o assunto é um desafio. “Quando um ou mais membros de uma mesma família estão infectados e o outro não, há um conflito interior para essas pessoas que não estão doentes. Esse membro tem a responsabilidade de cuidar da pessoa infectada, ao mesmo tempo tem o medo de, nesse cuidado, adoecer também, o que pode gerar ansiedade.”
Ana Júlia Freire, psicóloga analítica, afirma que qualquer tipo de preconceito tem fundamento em uma consciência discriminatória de um indivíduo para com o outro. “Alguns mantém uma postura preocupada em relação ao estado de saúde de seus familiares e com o seu próprio (caso tenha tido contato com a pessoa que testou positivo para Covid), enquanto outros preferem se manter distante pelo menos por um determinado tempo, como uma forma de prevenção. O preconceito surge justamente na atitude em descriminar uma pessoa, mesmo ela já tendo testado negativo para o vírus, como se ela fosse capaz de ainda transmiti-lo. Da mesma forma que acontece com pessoas portadoras do vírus HIV, por exemplo. Evita-se certos tipo de contato, como abraçar, tocar nos mesmo lugares que a pessoa, entre outras coisas. É importante ressaltar, que o apoio psicológico para as pessoas que testaram positivo para Covid é fundamental pois o emocional afeta nosso sistema imunológico”, recomendou.
Preconceito no ambiente de trabalho
De acordo com Clara, evitar ou excluir um colega de trabalho que já teve coronavírus pode influenciar negativamente o rendimento profissional desse colega. “Eu sempre digo que a pessoa não é a patologia, principalmente neste momento em relação ao Covid-19. Um dos principais pilares de uma empresa é a boa relação entre seus funcionários. Um tratamento excludente à quem já teve coronavírus pode gerar humor deprimido e até mesmo culpa diante da exclusão”, alertou.
“O fato de se sentir descriminado, vai fazer com aquela pessoa encontre alguma dificuldade em se sentir à vontade naquele ambiente e, portanto, vai afetar a produção dela de uma maneira geral, fora as consequências para o emocional”, complementou Ana Júlia (foto) que também destacou ser uma linha tênue agir com prevenção e agir com preconceito. Para ela, perguntar a um candidato em uma entrevista de emprego se a pessoa já contraiu Covid-19, não seria antiético, pois trata-se de uma questão de prevenção. “Estamos em uma pandemia e precisamos lidar com todos os setores de forma segura, protegendo a saúde. O que seria antiético é deixar de contratar uma pessoa que já teve coronavírus e já testou negativo pelo fato dela já ter contraído o vírus”, disse.
“Doença solitária”
Clara ressalta ainda o efeito devastador que a doença pode causar no psicológico do paciente. Para ela, é preciso estar atento ao trato com as pessoas. “Considero o Covid como uma doença solitária, não só devido ao isolamento social, mas porque muitas pessoas acometidas pelo vírus não conseguem tocar no assunto e contar para amigos e colegas de trabalho que estão infectadas, por ser uma doença de fácil contagio. Ficam com receio de contar para as pessoas, mesmo depois de estarem curadas, serem alvo de rejeição. Me preocupa muito essa consequência do vírus na vida dos infectados, já que geralmente olhamos a pessoa no âmbito clínico, fisiológico, por medo de pegar a doença, mas não nos atentamos ao modo como lidamos perante a essas pessoas. Devemos lembrar que em qualquer patologia, o que vem primeiro não é o diagnóstico e sim o individuo, o ser humano”.
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