Áudio de WhatsApp

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 13 de junho de 2020

O intestino é o nosso segundo cérebro, por isso é tão importante o que comemos. Foi o que li e concluí de uma entrevista com uma nutricionista especialista no efeito que os alimentos causam, inclusive, depressão e ansiedade. Contrariando os estudos, chocolate e queijos me causam imensa felicidade. Mas sim, eu acredito na força da tese de que somos aquilo que nos alimentamos. Mas sim, sou um indisciplinado. 

O cérebro em si... Se para o segundo cérebro (o intestino), o que comemos é tão determinante, para o primeiro (o cérebro mesmo), me parece ser muito importante aquilo que vemos, ouvimos, guardamos. E, acumulamos muito lixo, tanto quanto consumimos muitas meias verdades que na frente formam exército de verdades inteiras, absolutas e autoritárias. No mundo virtual, há preocupação com o lixo que entope as nuvens dos mais gigantes servidores. Nós, como coletividade e indivíduos, também estamos assim: carregados de acúmulos que tomam espaço na nossa massa cinzenta, que sobrecarregada, já não processa tudo como deveria.

Há poucos dias, um amigo - grande amigo mesmo, desses que não são amigos só pela longa data de convivência, mas de ser padrinho de casamento, de contar segredos e tal -  me enviou um áudio de sete minutos e dezesseis segundos no WhatsApp. Quem envia áudio com mais de trinta segundos nesses aplicativos deveria ser castigado. Exatamente sete minutos e dezesseis segundos. Não foi de dezesseis segundos. Foram sete minutos adicionados aos dezesseis segundos. O áudio com vários minutos mais os dezesseis segundo ficou lá. Me encarando com o avatar do meu amigo. Saudade de ouvir a voz desse cara – pensei. Saudade da mesa de bar com ele. Como sabem, eu não consigo beber sozinho. Beber cerveja me obriga companhia. Já até tentei tendo o Vasco como meu amigo. O Vasco de hoje só é amigo dos adversários. Não dou dois goles na dourada. Foi assim que concluí que estou longe de ser alcoólatra. Mas isso é papo para outra hora. Voltando ao áudio de sete minutos e dezesseis segundos do meu amigo... Conversa esperando para ser ouvida. Meu amigo, ainda que em foto, ali me encarando. Cerveja na geladeira. Pimba! (Alguém além do seu avô ainda fala pimba?). É isso! Vou para a mesa de bar imaginária com meu amigo aqui do sofá mesmo. Será melhor que o episódio da série que ainda faltam doze episódios.

O caminho curto até a geladeira me faz refletir que você só ouve áudio tão longo assim se for realmente de alguém que seja muito amigo. Ou da sua mãe. Ainda que você saiba que sua mãe não vai enviar um WhatsApp. Mães sempre ligam. Pelo telefone. Quando não te visitam só para perguntar: “meu filho, tá tudo bem? Por que não me atendeu? Te liguei várias vezes”. Saudade da época do telefone fixo. Nenhuma, no entanto, das contas altíssimas. Antes mesmo de escolher entre Barão ou Ranz considero: “quem sou eu que não posso tirar tempo para um amigo?”. Nesse mundo líquido, como diria (imagino que diria) o autor do célebre livro, escutar áudio de mais de um minuto é ato de empatia, de amor, de pertencimento... Parar o tempo para o que realmente importa.

Não seja enxerido para saber o que tinha no áudio de sete minutos e dezesseis segundos. Virou mais áudios e mais áudios, chamada em vídeo no dia seguinte e até essa despretensiosa crônica que era para ser sobre o tempo e nossa relação com o afeto. Nada como passar o tempo com quem a gente gosta, ainda que na distância atenuada por fibra óptica. O importante é ter o coração perto para acumular no cérebro tudo o que realmente nos alegra e aniquila depressão e ansiedade. Quanto ao segundo cérebro? Fiquei impressionado com a quantidade de artigos e estudos sobre a relação de alimentos com saúde mental. Com cerveja, que só bebo na companhia de amigos, vou cuidando da saúde da minha alma. Um queijinho e um chocolate também vão bem! Agora, vou escutar o áudio de cinco minutos e trinta e quatro segundos da minha irmã.

 

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