Aula de escola de samba

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Ainda muito criança, quando mal sabia adequar as cores aos desenhos, já me encantava com o colorido que pintava as avenidas no carnaval. Lembro que minha tia levava a mim e meus irmãos para a Alberto Braune para assistir aos desfiles, pequeninos, no meio da multidão. As alegorias, as fantasias, aquela gente toda me causava grande fascínio.

Gostava também de folhear jornais. Meu pai acumulava muitos exemplares para forrar os tapetes do seu velho, já àquela época, Chevette 74. Vendo as fotos dos desfiles do Rio, logo me deparei com uma que me chamou a atenção mais do que as demais. No retrato, uma água azul e branco. Na pressão de torcer para um time de futebol, um partido político, uma escola de samba, logo perguntei à minha mãe: que escola é essa? 

Mesmo antes da resposta, me convenci: é para essa que eu vou torcer! Ela me respondeu: Portela. Nunca mais esse nome e aquelas cores saíram da minha mente. Desde então, acompanho a Portela e cada vez que ela entra na avenida, choro de emoção.

Aqui em Nova Friburgo, essa pressão de torcer por uma escola de samba, não me pegou. E, isso não é para fugir da raia, não! Meus primeiros anos de vida foram no Perissê, bem perto da quadra da Unidos da Saudade. Depois mudei para Olaria, com meus quatro anos... Lá, morei até a minha adolescência. Quando criança, me fascinava o carro alegórico que trazia o Zé Carioca. Mas não podia torcer para aquela escola, porque não era a do meu bairro. 

Depois, me mudei para o Floresta e a confusão se fez. Ou seja, passei pelos ninhos da Saudade, da Imperatriz e do Alunão. Mas o que me encanta é a águia da Portela, símbolo da Vilage. Então, mesmo não tendo morado perto da Verde e Branco me sinto autorizado a torcer por ela – também. 

Confesso, para não parecer que sou de ficar em cima do muro, que cada ano torço para aquela em que tenho mais amigos ou que tem o samba mais bonito. Já passei apuração com o coração batendo mais forte por cada uma das quatro.

Celebro a escola de samba como escola da vida. Dando seu banho de cultura com verdadeira aula, palestra, seja qual for o enredo que traga. Ensinamento, protesto, destaque para detalhes que muitas das vezes passam despercebidos no ensino colegial e na própria caminhada da vida. Verdadeiras teses construídas por gente muito simples, não raro até semianalfabetas. 

Na costura da saia da baiana, no adereço da comissão de frente, nas alegorias de esculturas com ou sem efeitos especiais. No samba-enredo. Na paradinha da bateria. Tudo vibra. Tudo canta. Tudo se complementa e todos são iguais, com a mesma importância. Nessa simplicidade envolta de luxúria e criatividade, antagônicos se misturam e se respeitam no sentido de ensinar no grito do povo que liberdade não tem preço e que axé e fé são a mesma coisa. 

E, como aprendemos que “mais vale um jegue que me carregue, do que um camelo que me derrube lá no Ceará”. Pois carnaval tem história para gente grande dormir, no compasso necessário da crítica social.  

 

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