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Quando eu morrer... Enquanto vida
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
Quando o céu cai sobre mim
Minha alma evapora
E por um instante deixo de ser eu.
Talvez, eu me transforme no nada.
Uma nuvem traiçoeira me engole
E logo depois me vomita.
A busca por uma chance
É, às vezes, uma saga
Outras, um desperdício.
Aí, ao abrir os olhos e voltar a mim,
Me pergunto
Se o céu, realmente, cai sobre mim
Ou se sou eu que voo ao encontro dele.
Nelson Cavaquinho já dizia em seu poético samba “Quando Eu Me Chamar Saudade” que “se alguém quiser fazer por mim que faça agora”. No dom da música, aconselhava: “me dê as flores em vida, o carinho, a mão amiga para aliviar meus ais. Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidade, quero preces e nada mais”.
Filho de outro saudoso Nelson que nunca tocou cavaco ou pandeiro, aprendi com ambos que a morte é um mistério, mistério esse que nem tão cedo se pode querer desvendar. Mas a vida está debruçada à nossa frente e na sua simplicidade enigmática quer ser vivida mais do que resolvida.
Assim, quando eu morrer não se preocupe comigo. Se preocupe comigo enquanto eu estiver vivo. Não quero coroa de flores. Parafraseio o sambista: me dê flores em vida. No dia a dia, me surpreenda numa manhã qualquer em meio ao café ou nesses tempos sórdidos de WhatsApp, me espante com uma ligação telefônica inesperada, sem notícias boas ou ruins, apenas com a meta de dizer que pensou em mim. É mágico ser lembrado. Mais mágico ainda é saber de que foi lembrado e poder retribuir com abraços.
Essa roupa que nos é emprestada tem como destino ser pó. Enquanto funcional é normal se perguntar: qual a parte mais importante do corpo? Onde estão as memórias, os sentimentos? Coração. Às vezes, cérebro.
Bom mesmo é quando agora — e só no agora é possível — sentir fluir o que lava a alma. Será que a alma evapora? Pó ou vapor, me beije, me sorria, me presenteie de presença agora, enquanto tenho certeza de experimentar o que é ter alma nessa roupa que me permite ir, vir, escolher, abdicar, voar, sentir.
A felicidade não está à venda, muito menos está nas vitrines dos magazines ou boutiques de shoppings centers, ainda que a vaidade nos insista a pequenos caprichos capitalistas. Mas a felicidade, esse grande fascínio e objetivo da vida, não pode ser resumida a apenas um termo ou mesmo conjunto de termos. Por mais que tratada de forma empírica, a felicidade jamais conseguiu ser totalmente descrita por filósofos, cientistas ou poetas. Porque a felicidade é mutável de pessoa para pessoa, de trajetória para trajetória, de espaço-tempo para espaço-tempo. É determinada para si ainda que em constante redescoberta, mas absolutamente indefinível como algo único para o coletivo.
Paz — dirão. A paz é um sonho mundial, como a fraternidade é. Mas o que é paz na Palestina, na África, na favela carioca, na sua casa?
Quando eu morrer, você não saberá se tenho as respostas, tampouco se mudei as perguntas. Por isso, é em vida que quero confabular com você todos os ensaios-erros possíveis.
É animadora a consciência de que o que se podia adiar, já não se pode mais. Pois quando não se pode mais adiar, a urgência é uma aliada do desafio que desconhece o medo, ainda que admita que o medo existe. Mas o medo passa a colaborar para se mover.
O tempo, de repente, já não permite que sejamos tão efêmeros assim. Se a velocidade do mundo antecipa o fado de ser pó ou de evaporar, o novo futuro que se achega diz que idiotização só é enredo na ironia crítica de um desfile de carnaval. Não há por que ficar perdendo tempo com esses.
Não é mais necessário se reinventar: é urgente. O caminho está posto e não há outro percurso para se caminhar. Quando eu morrer, eu quero que a Terra prossiga para os próximos, mas quero ser lembrado disso em vida.
Recordo das minhas mãos quando eu ainda era menino. Habilidades evoluíram tanto quanto pelos, força, tamanho e tato. Retrocederão. Pelas minhas próprias mãos, compreendi que nem toda frase vira texto. Pela própria leveza da minha alma, entendo que nem toda palavra é poesia. Pelos vazios pesados do coração, tenho certeza de que nenhuma vida é santa.
Mesmo na pretensão da imortalidade, mas com a certeza de um dia se chamar saudade, que a vida seja de coleções de histórias que reunidas consigam dar mais do que uma biografia, mas se consumem em um universo particular de gente que fez por você enquanto vida.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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