Passarinhos que cantam e voam

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 02 de março de 2024

Como o tempo tem passado depressa. Já nem sei mais se é só uma sensação. Se é carnaval, de repente é inverno, do nada já é ano novo de novo. O futuro já é passado e o presente nem se sente. 

O tempo sempre passa mais apressado quando cantamos sem esforço ou quando devoramos um prato com gosto. Também é ligeiro quando estamos hipnotizados por toda a beleza que há entre a cachoeira e o mar, o tanto de graça que existe entre a terra e o céu. Passa veloz  quando nos perdemos em um olhar. 

A paixão faz o mundo girar mais desenfreado e a percepção do que há entre tudo, nos remete a certa vontade de ser parte de um todo. Causa deslumbramento. Como pode tanta magia? Se for contar, não cabe em uma vida toda, porque o tempo passa depressa demais, mesmo quando somos paralisados pelos impactos do sentir. 

A admiração não é fugaz, mas gosta de ser perseguida ao ponto de quem sabe um dia ser reconhecida como amor. Talvez já seja pelo simples ato de começar. Portanto, perceber, admitir, aderir, acolher e acolher-se são verbos tão sujeitos nessa oração. Pedimos e quando temos, desatentos ou mal resolvidos, adiamos, tememos, abdicamos.

Depressa, a paciência tenta sossegar os minutos, mas a angústia não afugenta a ansiedade. E ansiedade faz correr para a depressão. O relógio se mete na relação entre a gota d 'água que cai no copo vazio. E ainda que demorado, o copo enche, transborda. Intrometido, o tempo passa igual e só quando o copo já não pode deter tanta água é que se nota. 

Nós não passamos da mesma maneira pelo tempo, nunca. Porque o que fomos ontem, já não é o que somos agora. E amanhã? 

Caminhos tortos podem ser imensas avenidas retas. Já peguei estradas em quinhentos quilômetros retos. Caminhos assim nos dão sono, mesmo feitos em altíssima velocidade. As paisagens parecem se repetir. O tédio faz o tempo parecer parasitário. Mas o tempo segue seu fluxo. Envelhecemos da mesma forma. Esse corpo que temos vai esvair, a alma evaporar. Para onde? Por aí… Se é tão certo o destino - é clichê - o modo é que importa. Fácil dizer e até classificar como clichê. Difícil é fazer sempre valer a pena. 

O tempo passa devagar, quase estático, quando tenho medo. E o medo é um guloso que paralisa para ser voraz. Só a coragem nos faz famintos, mesmo sem fome. É o motivo que nos tira da inércia. Ir, fazer, ser. 

Será que o tempo é apenas um método que nos faz cumprir tarefas? Estranho quando isso acontece. Ocorre muitas vezes, não diria toda hora, mas há momentos que só se quer explodir. Em felicidade. Em tristeza. Melancolia, talvez. Prazer, com certeza. Fogos de artifício, mas para brilhar sem desaparecer. 

Uma música só, dura muito pouco tempo. Uma playlist pode ser longa demais, como o lado A dos vinis. Já teve esse sentimento de se achar antigo e de que nasceu na época errada? Do futuro ou do passado? Não sei. Presente! 

Dizer presente para a vida. Pressente que o agora não aceita talvez? “Queria ir, não fui… vou”. Para entre as estrelas. 

Tão impressionante é contemplar o tanto de vida que há entre uma flor e outra no jardim. É seguro nutrir certo espanto bom, daqueles que nos garantem imaginar infinidades de formas e possibilidades. Se somos tão imensos assim, por que querer ser uma coisa só ou tão pouco?   

A loucura se instalou em mim e não sai mais. Todos no salão, esses que cantam, se irão. Eu também. Mas quando eu cantar quero que tenham a coragem de ficar. Em algum momento eu estarei. Fincado. E, ao ficar, possivelmente, sozinho, não serei solitário. Mas só, eu comigo mesmo, tenho incertezas se a festa me habita ou se faço morada na festa. 

O tempo passa diferente para o momento de cada um de nós. Às vezes canto bem, outras o que cantam me soa mal ou não… Como comparar o que fomos, o que somos ou o que queremos ser? Cada momento tem o seu tempo. E a certeza nunca, nunca, prevalecerá. O que existe é essa existência efêmera do agora. Tristeza ou felicidade e todo o resto para além de ser feliz ou triste é o que se apresenta. 

Não me parece apenas uma questão de múltipla escolha. Há infinitas respostas e nenhuma exatamente certa ou errada. O que há é essa prece confundida com ladainha de que o tempo passa depressa demais, quando queremos apenas ser passarinhos que voam sem que o tempo voe por voar.

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