O trem da vida nos trilhos da charada do tempo

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

O tempo só anda para a frente. O passado para o tempo é história. E a história será contada de diferentes formas, por olhares diversos. Não sabemos o fim delas, ainda que no seu andar colecione nostalgias. Mas o tempo só anda para a frente, livre e leve. As bagagens, os acúmulos, mesmo os vazios, nós é que carregamos. O tempo não. O tempo só desliza e se deixa deslizar, faz trilho para nossa passagem.  

Pode se aprender com o que ficou para trás? Nós podemos. Mas o tempo, não! Pois, o tempo só olha para a frente, só anda para frente, só segue em frente. O tempo não tem o privilégio que temos de parar para pensar. O tempo segue destemido e nos colocando medo, caso não estejamos de bem com ele ou se não compreendermos a sua natureza. Pois o tempo, palco de nossas artes, se estende para a frente. Não para os lados ou para trás. Apenas para a frente.

Talvez, com o tempo, aprendamos a seguir em frente como ele. Se não sempre, na maioria ou em boa parte das vezes. Eu sei. Sei que dores existem e por vezes persistem. Pudera mandá-las embora com frases de efeito ou mesmo diálogos sem qualquer talento. Mas o tempo, mesmo diante da criatividade, não se curva e tramoia com suas curvas os mistérios que vem adiante. É sujeito birrento, intransigente, mas não mal-intencionado, tendo em vista que suas regras não permitem qualquer flexibilidade. É acordo inquebrável, do qual somos parte, ainda que não tenhamos assinado nada. Para o tempo, nascer já serve como aceite de suas imposições.      

Se você não vai, o tempo te arrasta para a saga comum a todos nós: nascer, crescer, envelhecer e fatalmente morrer. Como crescemos e envelhecemos é o que nos cabe. Fácil dizer. Nem tão simples, nem tão complicado assim para realizar.  

Viajantes, vamos e voltamos pelos caminhos antigos, novos e desconhecidos. Sem bilhete de volta no mesmo dia e horário, retornamos, vez em quando, com a intenção das mesmas coisas, mas aí já temos outras vivências que não nos permitem experimentar exatamente igual. Nada será absolutamente igual. Os trilhos ganham ferrugem, árvores florescem, desflorescem e desabam. O trem ganha velocidade, perde velocidade, mas o tempo segue no mesmo ritmo. Para frente. Sempre para frente.      

Talvez a grande charada do tempo não seja ser trilho, mas trem. Talvez o trem seja apenas residência para nós passageiros que envelhecemos nos trilhos pelos quais percorremos. É embaraçoso ao ponto de não poder se apontar claramente: o trem é a vida e o trilho é o tempo ou o trem é o tempo e o trilho é a vida? Se confundem. Propositalmente.   

A charada então deixa de ser do tempo e passa a ser da vida. O trem do tempo nos trilhos da charada da vida. O trem da vida nos trilhos da charada do tempo. A máxima: a ordem dos atores não altera o destino. 

Que grande charada é essa? Um enigma sem resposta certa ou errada. Vai se desdobrando em equações poéticas, como se a matemática pudesse aceitar poesia. E, pode! Vem em canção, nos passos frenéticos das avenidas, no ritmo das enxadas nos campos, no brinde dos bares, no burburinho dos corredores das fábricas, no bit das conexões, na contemplação dos templos, no silêncio noturno das casas pequenas, grandes e imensas, no batuque de cada coração, na chegada e despedida de cada estação. 

A vida desfila no tempo e o tempo desfila pela vida em conjunção. Para frente, sempre para frente, sem poder voltar para trás. Nem o trem que puxa vagões dá ré. No máximo, para. Roda. Volta para o trilho. No máximo, paramos. Pensamos. Agimos. Seguimos... Despidos ou cheios de adornos? 

O bilhete de viagem não nos obriga a nada.

 

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(Foto: Freepik)
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