O jornalista é um libertário por natureza e pela convicção de sua própria natureza

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 06 de junho de 2020

Sou filho das Diretas Já. Nasci em meio àquela luta por democracia, liberdade, tolerância. Quando o verde amarelo pertencia aos brasileiros e não a um grupo que se autointitulou proprietário da pátria, como se o modo deles fosse o único de ser patriota. A bandeira brasileira é dos brasileiros, de todos os brasileiros. Não há escolhidos para serem melhores do que os outros, ou donos uns dos outros. Pedaços de Brasil podem até ter donos, mas o Brasil é de todos os brasileiros.

São nossas atitudes que separarão o joio do trigo, ou melhor, a terra da mandioca. Sempre foi assim. Uma hora chegará o momento do julgamento, não para condenar o passado, mas para fazer um novo futuro. É preciso aceitar que as atitudes de nossos antepassados nos tornaram todos ladrões, exceto os índios (vítimas) e os africanos (sequestrados). Não basta a história ser contada por esse ponto de vista, é preciso vivenciá-la com interpretação profunda não apenas dos fatos, mas com olhar jornalístico. 

Sou jornalista por formação. Fui formado exatamente quando o judiciário interferiu em desfavor da notícia, do profissionalismo e abriu espaço para repórteres de ocasião. E, justamente a decisão veio para inaugurar esses tempos em que redes sociais se tornaram campo de batalha de verdades absolutas, nascendo assim as Fake News. É meia verdade dizer que as redes sociais democratizaram a informação. Basta ver o valor de patrocínio cobrado por essa e aquela plataforma para impulsionar publicações. 

Aliás, é preciso estar atento: ninguém patrocina volumosamente suas postagens sem a intenção de vender ou se vender como bom produto. Em tempos de pandemia, essa simples observação já mostra muita coisa sobre quem é quem no jogo do poder. Que emana do povo... Que engana o povo! O tempo, no entanto, trata de separar os que são forjados pelo juramento de servir e transformar, daqueles que não tem qualquer compromisso para além de seus próprios umbigos que perseguem poder e fama momentânea. 

O jornalista, o verdadeiro jornalista, é um libertário por natureza e pela convicção de sua própria natureza. Uma natureza sensível e acolhedora. Uma convicção observadora de libertar mais do que a verdade, mas a transformação em benefício da sociedade. Opressão e jornalismo são antagônicos, para não dizer rivais, inimigos mortais que jamais serão parceiros. 

A liberdade está tão intrínseca ao jornalismo que quando falta, acaba por burlar a tentativa da verdade. De tal maneira que a liberdade é o mais importante instrumento de trabalho do jornalista e nenhuma outra profissão, nenhum outro setor como a imprensa, depende tanto da liberdade para se realizar.  

Em todos os tempos obscuros – não nos enganemos, estamos em tempos obscuros, de novo – a imprensa corajosa foi fundamental para resistir e transformar. Assim, repito meu automanual: o jornalismo exige, acima de tudo, sensibilidade. Não pode ser um mero relator de acontecimentos. 

E tem desafios que beiram o sobre-humano: deve ver poesia, sem se tornar poeta; deve fazer artes, sem ser artista; deve ensinar, sem ser professor; deve revisitar e entender a história, sem ser antropólogo; deve apostar na ciência, sem ser cientista; deve lutar pelo que acredita, sem ser militante. Deve, acima de tudo se abster, sem ser omisso. Nada de ser candidato a Clark Kent - mas se for necessário heroísmos – que assim seja para manter a imprensa livre para si, para os demais, para os que virão e para o povo.  

 

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