O ativismo que me encanta

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 18 de dezembro de 2021

 

Meus pés cansados seguem — porque ainda que meu corpo igualmente cansado não responda como eu gostaria — meu espírito é de esperança. Mesmo quando o mundo se mostra mal, mesmo quando sinto que estamos perdendo como humanidade, mesmo diante de tanta gente má vestida de bem, sigo com fé. Mais do que andar com fé, é preciso honrar essa fé na prática. 

Ao esperar, não honro a fé. Ao silenciar, não honro a fé. Inerte, também não honro a fé. Fé pede ação, tanto quanto sonhos sem ação são apenas sonhos. 

Sabedor de que protagonista nem sempre é o personagem que podemos vestir, reagir não é papel secundário. Reagir às injustiças, aos mensageiros da morte, aos profetas da ignorância, aos alimentadores da fome, têm sido cada vez mais fundamental nesses tempos de surdez rouca. Impedir narrativas que interessam apenas aos que narram para benefício próprio ou em nome de verdades que mantêm o status quo. 

Quem disse que a cidade é assim? Quem definiu que é assim a vida e ponto? Não! Não podemos passar pano para esses que insistem em atravancar caminhos. Passarão! Mas se não fizermos nada, seguirá tudo como está. O ativismo que me encanta é o da felicidade plena, minha e a de todos os demais, distantes e à minha volta.

Nem tudo precisa se encaixar. É arte a peça que não se encaixa no quebra-cabeça. Somos múltiplos, singulares, diversos. Quem não respeita a diversidade, atira no próprio pé e se mata pelo próprio umbigo. Quem não cultiva essa relação com a natureza, se suicida e leva todos os demais juntos. De tal modo que só há uma forma de uma convivência pacífica e feliz: com diversidade e ecologia. 

Tolerância é pouco e está mais para castigo ao castigado do que hombridade do tolerante. O mundo não precisa de tolerantes e os tempos de agora não sustentam neutralidade. O que o futuro não quer para esse presente que já se avista são neutros e tolerantes. Não há mais espaço para arquibancadas que não interagem com o jogo, tanto quanto não há mais lugar para torcedores do escárnio, predadores do esforço alheio.

Andar com fé é preciso. Mas é preciso caminhar. Porque fé sem verbo não é fé. Os segundos estão nos vencendo e o tempo fatalmente nos vencerá. Mas o que fazemos do tempo, com o tempo que temos, é e deve ser humanamente divino. 

Mesmo que eu queira ser como criança, meu corpo já não é mais o mesmo e o acúmulo de experiências me faz menos ingênuo. Cicatrizes de traumas e tatuagens de alegrias não me permitem mais ser como criança. Mas essas experiências me concedem certa evolução capaz de me dar sabedoria para ser melhor do que fui ano passado, para ser mais cortês do que fui ontem, para ser mais empático diante das existências que me permitem enxergar o equilíbrio e se compartilham comigo para coexistirmos.

Assim, dentro da gente mesmo, coexistem aparentes ambiguidades que nos dão a importância de uma e de outra. Não são visitas causais. Estão ali, permanentemente no canto à espreita de serem convocadas e se autoconvocando. Para lidar com cada uma, mais do que por aventuras, se faz necessário andar com fé — sílaba número um de felicidade.   

 

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