Nossa casa Terra, em guerra outra vez

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 25 de abril de 2020

Nossa casa é tão bonita. Desatentos no dia a dia, talvez não percebamos como bela é a nossa casa. A desatenção não é proposital, eu sei. O enredo que foi criado para nós é de correria para sustentar um contínuo crescimento econômico exigido pelos pouquíssimos reitores dessa história. Eu não conheço nenhum deles e você também não deve conhecer, pessoalmente, nenhum deles. Não estou falando do seu avô que tem uma indústria ou do seu primo que tem uma loja de calçados. Tampouco, estou falando daquele conhecido que tem algumas ações na Bolsa ou da sua mãe que tem um restaurante. São tão vítimas, quanto o motoboy e tantos outros explorados, ainda que possam achar, em algum momento, que fazem parte do exclusivo pequeno grupo dos 1% que detém 99% de toda riqueza do mundo.

Este planeta, a mesma casa em que vivemos e que é minha e sua também. É como se sob o mesmo teto, você pudesse tomar um pote de iogurte e seu irmão caçula - ao seu lado - não! E, em nome de seus impérios, nos motivam a um consumismo cada vez mais elevado, nos ludibriam com falsas ideias de meritocracia e até nos jogam, uns contra os outros, fazendo crer que parcela de nós é do time de roteiristas e não dos que desfilam no asfalto empoeirado de barro. Barro de sangue.

Mas afinal, quem herdará a Terra?       

Mesmo com eles, nossa casa que é também a deles, se faz bonita e tenta se manter plural. Ainda que a custo de lições muitas das vezes duras. Não se trata de punição. Apenas de correção de percurso. Pela sobrevivência. Para uma vida, conscientemente, em abundância. Pelo futuro: nosso, dos que nos trouxeram até aqui, pelos que virão.    

Como é bonita a nossa casa e como é forte a sua natureza. Estamos em guerra, outra vez. E nossa casa – resiste. Dessa vez, no entanto, a guerra não é entre uma potência e outra. Não é contra células terroristas. Não é pelo enriquecimento de urânio de lá ou contra um ditador de cá. Não é em nome de Maomé ou Cristo ou qualquer religião. Não tem Messias, nem Anticristo, ainda que alguns tentem se fazer de tais, tanto quanto nos aguçam a guerrear entre extremos, enquanto somos nós que estamos no meio. (Miseráveis líderes que arrebatam ainda mais pobres súditos, carentes de fé).

Eles passarão e os enganados sairão da ignorância ainda que aprisionados pelo passado de suas crenças. Sempre foi assim, com guerra ou sem guerra. Não será diferente dessa vez. Também não é uma guerra de Gaia contra os humanos. A Terra está tentando nos ensinar algo há tempos. Agora, em uma urgência flagrante, engrossou o método. Será que dessa forma aprenderemos?     

Nossa casa já suportou tanto e tem no seu seio feridas enormes (provocadas por seus moradores mais inteligentes), mas continua a girar e há de suportar... Apostando na multiplicação daqueles que propagam bons sentimentos. Ao fim dessa guerra, inevitavelmente, tudo haverá de ser diferente, porque a guerra é diferente. Uma guerra contra o invisível em que não se quer matar ninguém e que vencer é não deixar ninguém morrer. Podia ser essa a nossa única guerra...

A nossa casa permanecerá. Multicolorida, com seus tantos tons de azul e verde. E permanecerá com tantas cores como em um desfile de escola de samba. As sementes vão germinar, nem que por ação do vento, das abelhas, do homem. O ser humano, o mais complexo dos habitantes dessa bela casa. O que provocou tantas guerras, agora sofre com a guerra que diretamente não proclamou. Obrigado a se enclausurar como o seu primitivo ancestral que se escondia nas cavernas. Domou o fogo e o curso das águas; moldou o barro; criou alucinógenos e passatempos; tapeou a matemática, a história; matou e se fez morrer e viver pela cultura, tanto quanto pelo capitalismo; arregimentou prótons, nêutrons, elétrons; inteligência artificial... E ainda está aprendendo a amar, ainda está compreendendo que a bela casa que temos precisa de cuidado e esse cuidar exige que nos cuidemos uns dos outros, pois somos parte das estruturas da casa. Essa casa existe para todos e todos devem usufruir dela como fundamento essencial da existência dela própria.

Agora, com a vida por um triz, é imperativa a nossa profunda mudança de relação com a nossa casa - esse lindo lugar chamado Terra - assim como tudo que tem nela, especialmente, com nós mesmos.

 

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