Lockdown

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 18 de setembro de 2021

Quantos fechados em si mesmos ou presos, arbitrariamente, pelo resto do mundo. Em um confinamento que não pediram, distanciados pela lógica desses tempos irracionais que antecedem a permanente era pandêmica que nos visita, sem data para ir embora.  

Gritam: “socorro”. Calam: “me ajudem”. Diga: “estamos juntos”. 

Inserir solidariedade nas nossas vivências e perceber que dores individuais pedem batalhas coletivas são fundamentais para que esse lockdown de séculos que nos atravessa — cesse. Negar esse encontro do passado com o hoje é desassociar a própria existência do tempo. 

O nascimento de Cristo nos levou a 1500 que nos conduziu a 1888 que nos dirigiu a 1964 que nos transportou a 1985 que nos induziu ao hoje que determinará o amanhã. A sucessão de fatos entre todos os dias, escolhas, imposições e lutas construiu a psique de cada um de nós e a psique coletiva. Estamos influenciados pela trajetória humana e influenciaremos os caminhos adiante. Responsabilidade afetiva com nossos descendentes, amor mesmo aos que ainda não conhecemos ou jamais conheceremos.  

O medo e a coragem existem e é preciso admitir a convivência entre ambos dentro de cada um de nós. Suas manifestações, no entanto, não nos moldam. O que nos molda é o evocar cada um deles e o momento em que convocamos — para além da coragem e do medo — cada dialética que mora nas profundezas de nossas entranhas.

Corremos contra tempestades faz tempos e, definitivamente, aprendemos que utopias fazem sentido. O mundo de vez em quando muda e não é por acaso que muda. Alguém deu um primeiro passo e não necessariamente quem deu o primeiro, é quem dará o último — se o último existir. 

No mundo que habita em cada um de nós, nos mundos que chamamos ou se convidam para nos habitar, de uma maneira ou de outra, isso também se reproduz. Utopias nos alimentam e se realizam ou se realizam ao não se realizarem. Mudanças acontecem e são resultados de tantas outras, até imperceptíveis, decisões. 

Situações difíceis podem ser superadas. Sonhos se alcançam, mesmo quando temos a audácia humilde de desistir deles. Mas sonhos viram heranças que olhos atentos podem apanhar e prosseguir. A história está aí para mostrar. O cotidiano — essa tal história exclusiva da biografia de cada um — também prova. Tudo continuará a girar, o destino vai seguir entre velhos novos amores, em inovadores ultrapassados dilemas, em reinventadas enterradas ideologias. 

Segurança é um mito e querer ter segurança é um modo arriscado de acreditar que viver não seja um permanente risco.

O que precisamos agora, e, desde ontem, é abrir as nossas janelas e não basta olhar para além delas. É preciso colocar os braços, o peito, o espírito para fora. Deixar o vento bater e renovar as células mortas que se desprendem do choro ou do bafo do sorriso de quem se surpreende. Sair desse lockdown. Sentir o céu diurno até descer o céu noturno e se apreciar como ser exclusivo que se é. 

Liberdade!  

 

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