Fernanda

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 16 de setembro de 2023

Se você já gostou de uma Fernanda, você tem que ler essa crônica. Se você nunca gostou de uma Fernanda, também. Porque esse texto não é sobre Fernanda, Amanda, Ricardo ou Guilherme. É sobre gostar de si mesmo e de alguém para além de si mesmo. Alguéns, tanto quanto o  plural permitir. 

Amar a si é libertador para amar tantos quantos mais à volta. Que se achegam, que convidamos ou que simplesmente esbarramos e fazemos do esbarrão encontro para a vida. E nos deparamos com situações, que como esbarrão, fazem com que nos encontremos. De repente, descobrimos-nos encantados da gente mesmo.     

Nessas horas é que lembro da companhia da bailarina da caixinha de música. Dançando… Rodopiando naquele chão barato de espelho duvidoso, sob trilha que não sei o compositor. Seria Chopin, Wagner, Bach ou Schubert? Ela, presa ali, àquela pequena caixinha de música. Eu, preso àquela magnitude, sem poder chamá-la aos meus braços. Foi quando aprendi a dançar sozinho e ao dançar sozinho, a libertei, nos libertamos.      

Na memória, os versos daquela virtude, cujo pecado sei saborear. Ora, como identificar sombras sem luz? A bailarina, não mais, presa à caixinha de música. Deu vontade de fazer-lhe carinho, quando seu rosto, sob a luz vermelha, reluzia. De repente, vi que no espelho refletia meu próprio rosto sob a luz azul. Eu não sei de cores. Mas era minha alma sorrindo. E tal sorriso me dizia: seja feliz. Sim! Nada além disso. Apenas, seja feliz.

A vida nem sempre tem que ser carnaval, pois até carnaval tem suas quartas-feiras de cinzas. Seu sorriso é branco? Não sei a cor do batom da vida. A vida são contradições aleatórias — disse-me. E no carrossel da antinomia, de repente, se faz valer a norma de não haver norma, nem só uma ou duas opções. Não há essa de preto no branco. 

Minha Escola de Samba é Azul e Branco, meu time é Azul, Vermelho e Branco, mesmas cores do meu partido. Mas minha pele tem arco-íris tatuado e dele faço todas as cores, ao ponto de não me importar nomear as cores, os sentimentos, os bocejos ou taquicardias. Vivo conexões comigo mesmo, com as pessoas que meu imã atrai e me deixo atraído por tudo que me eleva, seduz e me conduz.

A bailarina passeia por aí. Se perdida, achada. Se achada, memória. Eu, não mais preso às caixinhas. Nas gavetas, apenas cuecas, meias, penduricalhos. Os anéis que tenho, carrego nos dedos. Meus pensamentos vibram, mesmo quando tristes. 

Sou, somos tempestade e bonança. Vento bom que nem sempre tem a pretensão de secar as roupas do varal ou a intenção de espalhar o feno duramente  recolhido. A única oportunidade que tenho e temos é viver. O que fazemos das possibilidades é o que nos torna tão criativos.   

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