É sobre Amor

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 18 de junho de 2022
Foto de capa

É sobre amor. É tudo sobre amor. Todas as músicas soadas na fina agulha do tempo; todos os filmes condensados nos projetores de nossos anseios; todas as cartas que, na pretensão de ocultar intenções, entregam mais do que se pretendia revelar; todos os discursos empunhados como espada ou escudo para motivar a ida ou o ficar. Todos os clichês que colecionamos e reproduzimos, mesmo atentos, para não ser comum. 

É tudo sobre amor. As mensagens enviadas, editadas, não mandadas, recebidas e receptadas. O temor e a coragem. O dar a cara à tapa e o sangrar no silêncio das madrugadas não dormidas. Os mapas decifrados, as palavras não desvendadas. É sobre amor esse escrito e todos os outros. É sobre amor a flor da cerejeira que despenca do galho alto para rebentar no chão. E todas as sementes espalhadas pelo vento, tudo o que alimenta e toma a terra, vem dessa grita do amor que suave se faz firme, e, brando se faz intempestivo.    

É sobre amor. É tudo sobre amor. Essa ânsia em olhar e falar para a vida: me liga, me acha, me perturba, me tempera. Entrega aos céus, aos mares, esse desejo de ser sobre amor e amado - amar.

Sobre amor é saber receber, é querer dar mãos, braços, bocejo de intimidade, travesseiro. Sair de casa, chegar, voltar querendo voltar antes do que a hora permitirá. Olhar lá fora e para dentro de si. Enxergar enfloras no cimento, se despedaçar e juntar as partes vivas no frio mármore da sala sem tapete. 

É sobre amor cada dia. A espera. A partida. O querer sem querer quando menos se aguarda. Chega. E como queremos que chegue e finque. Raízes no peito e para além do tórax e da própria existência. Gosto de se gostar o que se conhece e saborear o que ainda não se sabe.

O que é virtude e pecado se colocados lado a lado? Talvez, um dentro do outro não confunda, mas reafirme que coexistem para que a vida exista e dê frutos. Filhos, nascimento e despedida. É tudo sobre amor. Essa temperança e aflição. A saudade e a esperança de adiar a nostalgia invasiva. Encontrar quem não se conheceu ainda ou reencontrar quem não pode ou não quis ficar. Olá! Reconhece? A si mesmo, o outro, o passado e o futuro? Para de se esconder!  

É sobre amor, viajar mesmo sem sair do lugar. As manhãs de preguiça, as noites de agitação. Namorar lua despida, sol ereto. Encontrar. Enxugar o teto, tatuar nome, beijo, rosto. Necessidade. Escapulir do esplêndido e flertar com o cotidiano que garante vivacidade — verdade. 

É real o amor que descortina a virgindade de quem ainda não cortejou a paixão. Sobre amor é aprender a saber amar, e, amado saber respeitar, venerar, retribuir ao seu modo. Que seja criativo, verdadeiro, único. Pois é no jeito exclusivo de ser que vivemos sendo a gente mesmo. Tão inimitável, quanto singular. 

Amar, às vezes, é deixar ir, mas em todas as demais é insistir para ficar. É tudo sobre amor, inclusive, o nosso próprio tempo de insistir em existir para além das músicas, filmes, cartas, defesas e ataques, para além da vida.    

 

Publicidade
TAGS:

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.