Dias nublados

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 25 de março de 2023

Deixa a vida surpreender, mesmo que tudo pareça ruim. Até pilha para funcionar precisa de positivo e negativo. Um dia a gente está por cima, outro por baixo e por mais que pareça clichê, essa é uma realidade das nossas travessias pela vida. 

Como dizem os adolescentes: “quem nunca chutou o balde para ir buscar depois”? Às vezes, é preciso chutar o balde mesmo, ainda que todas as previsões indiquem: “vai lá, meu filho, corre e traz o balde de volta”. Tudo a seu tempo. 

Dias nublados apenas escondem o sol. Ele está lá, acima das nuvens. Pode ser que não o vejamos, que não o sintamos. Mas ele segue lá, clareando o dia, permitindo a fotossíntese, regulando mares e alimentando a vida. Nuvens se dissipam pelo vento ou em chuva. Se ventar demais – voe. Se chover - lave a alma! Ou apenas observe o ciclo. O tempo vai abrir...      

Tem roupa para lavar e se pendurar meias é chato, mais chato ainda é ter que recolher cada peça do varal. Porém, nada supera a maldita tarefa de passar camisa de botão manga longa. Mas ainda sim é melhor ter roupa para lavar, estender, recolher e passar do que não ter o que vestir. Ah, se pudéssemos andar pelados…

Se joelho ralado dói, unha encravada dói mais ainda. É preciso valorizar ter pernas e mãos. Coração então: sofre. Mas ter coração é ter espaço para essas paixões avassaladoras e até esses vazios que pesam. Alma. Tenha alma! É preciso perceber que se tem. Agora. Eternidade é algo tão longínquo para sofrer por ela. 

As coisas vão se resolver. Sei que angústia fabrica ansiedade, mas ambas juntas não fazem bem. Disso, sei. Quem nunca experimentou, fuja agora dessa mesa de bar! 

- Mais ópio, por favor. 

Fuja desses dias! Não para se autoenganar. Para suavizar. Para se entender, sem a pretensão de encontrar respostas. Isso não é prova de concurso público de múltipla escolha. 

Eu gosto mesmo é de filosofia. Elizabeth sabe disso. Não sou trovador como ela, mas nós gostamos de poesia. Quando filosofia e poesia se misturam, compreendo que talvez sejam indissociáveis. 

Viver é bom, mas nem sempre a vida é bela. Aí, a gente fantasia mesmo, porque embrutecer é para essa gente de extrema direita e de extrema esquerda que não sabe sorrir, mas se autointitula dona da verdade. Tem muitas causas no mundo, muitas revoluções por fazer e se se perde a ternura, serão falsos esses discursos militantes que só alimentam egos pastorais. 

Entre qualidades e defeitos, perfeito é aquilo que não precisa mais se modificar. Cruzes. Melhor ser esse inacabado que ainda pode se acrescentar de vida, venha a música que vier a tocar. E dance com ela, mesmo que não saiba os passos. A gente se adapta. E foram as adaptações ao longo dos séculos que nos trouxeram até cá e nos levarão até lá, seja o que for lá, mesmo que apenas a sexta nota musical. 

Não viemos do caos, do Big Bang? Somos partículas das estrelas. Por mais que eu diga tudo isso para mim mesmo, sei que não é fácil ser leveza no caos. Mas na explosão de boletos, problemas, pés na bunda, trânsito e ressacas é que surgem planetas de gargalhadas, beijos, abraços, emoções, pessoas… Que se tornam tudo o que a gente precisa para suportar a si mesmo até se olhar no espelho e dizer: “como você é incrível”. 

Têm dias que nos sentimos um caco. Que certos sentimentos nublam as horas. Mas o sol segue lá. Assim como os que te acompanham e te aturam, lhe mostram que quando seus cacos se juntam, sua história se preserva linda e que precisa de mais linhas e desenhos, baldes para buscar, bateria para ligar, roda gigante para girar, amor para se dar e receber. 

Dias nublados não podem esconder os grandes sonhos que temos, tampouco tudo o que nos traz felicidade.

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