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Contemplar para a plenitude
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
Quando Alice está perdida e encontra o gato, o felino pergunta à menina para onde ela quer ir. Alice diz que não sabe e o gato sem titubear responde que para quem não sabe onde quer ir, qualquer lugar serve.
Há quanto tempo qualquer lugar nos tem servido? Há tantas nos fazemos morar em uma ilha envolta em montanhas que não permitem olhar o horizonte. Nessas horas é que me lembro de Galeano quando reflete sobre querer alcançar o horizonte. A cada passo que se dá, mais longe o horizonte fica. Mas é esse desejo de alcançar o horizonte que o faz caminhar.
Assim, define de forma brilhante o que chama de utopia. Sem a pretensão de contradizer o mestre, eu chamaria de visão esperançosa de crescer. Precisamos olhar o horizonte e além dele com a coragem de quem mora mais perto do céu e é filho das montanhas. Não as montanhas que aprisionam. Mas as montanhas que nos privilegiam estar do alto.
No entanto, há de se ter certo cuidado em não só querer ver o mundo do alto, observando apenas e julgando. É preciso a humildade de se colocar na planície. Dela, muitas das vezes (se não na maioria) se enxerga muito mais. Da planície, nos colocamos como iguais para ser parte integrante de algo maior.
É como a história das ondas do mar. Desesperada por arrebentar na areia da praia, a onda pessimista acha que é o seu fim. A onda otimista a convence de que ela não é apenas uma onda, mas parte do oceano.
Contemplar é, portanto, bastante diferente do que apenas observar. Observar – diz o dicionário – é espiar, analisar, ver atenciosamente, fazer uma constatação sobre algo ou alguém, exprimir juízo de valor ou opinião.
Já contemplar é mais profundo e recuso as letras frias dos dicionários. Contemplar é se por, fixada e humildemente, diante das maravilhas de uma flor de cerejeira ou da Baía de Guanabara vista do Caledônia. Melhor ainda é contemplar a vida que retumba na natureza e a alma que escapole pelo olhar dos olhos infantis de quem se ama.
Ou mesmo de quem sequer se sabe o nome para perceber que castanhos, pretos, azuis ou verdes, ao se olhar mais de perto guardam sonhos e expectativas diversas e que devem ser respeitadas as suas liberdades. Contemplar é próprio dos tolerantes que se apaixonam pela liberdade de ser o que se é.
E, assim, contempla o que há dentro de si mesmo e se admira sem ser egocêntrico, nessa tênue linha entre a realidade e a fantasia e vice-versa. Afinal, o que é uma outra coisa e outra que se não alegoria de carnaval?
Saber para onde ser quer ir é mais importante do que ir. Sonhar é pressuposto de quem caminha. Somos todos sol num só oceano. Articular felicidade é o principal dever de um líder e deve ser motivação de cada um de nós.
Assim, não dá para abrir mão de contemplar para amar, pois a finalidade da contemplação é o amor à natureza, às pessoas, à vida. E só através desses elementos e desse verbo intransitivo (fico com o poeta Mário de Andrade) pode se alcançar a plenitude nesse céu daqui e não no longínquo céu das luas de Saturno.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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