Carta ao Planeta Terra

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 24 de abril de 2021

Planeta Terra, venho pedir desculpas sobre como tenho tratado você ao longo dos últimos tempos. Deixe me apresentar, ainda que você me conheça muito bem, afinal já deve estar exausta de experimentar o velho ditado que diz: “quem bate esquece, quem apanha não”. 

É! Você me conhece bem, muito bem, mais do que até eu mesmo. Sim, sou o ser humano. O mais predador entre todos aqueles que tem você como lar. Somos muitos, com múltiplas diferenças, culturas e condutas, mas no fim, independentemente de como agimos, respondemos por todos e assim devemos encarar a nossa desumanidade como um conjunto só.

Entre nós, seres humanos, há alguns mais conscientes e que têm tentado, com certo esforço, alertar aos demais. Mas o mal segue sendo maior até mesmo quando você aumenta a temperatura e grita em tempestades, tsunamis, ciclones e furacões. Muitos de nós não querem ouvir e incendeiam suas florestas, criam teorias de que é plana e até de que as mudanças climáticas são conspirações ideológicas. Tantos anos para desaprender a aprender.

Não temos sido bons moradores. E não veja essa carta como uma provocação de mal inquilino que tenta adiar o despejo. Precisamos melhorar essa relação e admito que você tem sido até bondosa e paciente demais. Provoco desigualdades entre os meus (seus filhos, meus irmãos). Firo a sua honra, aniquilo suas proteções de ozônio, atolo seus mares de lixo e povoo a beira de suas veias de água. Poluo suas bacias, construo nas encostas de seus vales, roubo suas pedras que autointitulamos preciosas, estouro suas montanhas e mato suas fontes minerais. Tomo do seu profundo solo a sua substância preta e transformo tal matéria no vilão que te atormenta os oceanos e o ar. 

Ganancioso, troco o tempo que tenho por dinheiro e consumo mais e mais de forma desenfreada para mostrar quem é que manda! O vento que envia sugere que é você. Mas dou de ombros e mato animais e crio animais que nascem apenas para saciar os que podem pagar e quem não pode é porque não teve mérito para comer baby beef no jantar. Reclamam de fome? Que infeste o seu solo de agrotóxicos nocivos para te acelerar e nos dar mais, mais e mais.

Aí, nos fazemos capciosamente de desentendidos, mas você soma minúsculas partículas, tão pequenas que não podem ser vistas, mas que nos destroem por dentro e paralisam a nossa mais querida invenção: o capital. Vírus e bactérias que tentam nos ensinar sobre sustentabilidade, ética, de como somos frágeis e como nosso sistema é fácil de se brecar. Mas alguns de nós são tão espertos que aumentam seus bilhões e expandem ainda mais as desigualdades. O seu convite a cooperação parece não estar sendo aceito.             

Caro Planeta Terra, como gostaria que a maioria de nós seres humanos pudesse convencer essa minoria e aos que são massa de manobra dessa mínima parcela de que é necessária uma justiça social e econômica. Que a imperfeita democracia serve para nos unir e não nos segregar. Que só o fim das explorações, inclusive as explorações a você Terra, podem gerar a tão sonhada paz.

Peço desculpas. Por não cuidar de você como deveria. Por marginalizar a vida de todos os seres que aqui vivem, especialmente meus irmãos. Peço perdão pelas atitudes deles também. Temos a mesma morada e as mesmas responsabilidades para com você e com a gente mesmo. Temos sido autores da desigualdade. Criamos a tal sustentabilidade, mas ainda estamos longe de efetivá-la. Gostaria de poder te proteger de nós mesmos. 

Queria nessa carta te dizer que as coisas vão melhorar, que estamos próximos da tal ética planetária... Mas apenas desabafo para ser e por ser parte do seu lamento.      

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