O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. Você acorda, bebe dois copos de água, alguns bebem o primeiro copo com um limão espremido. Cada um com seu ritual, cada qual com seu hábito. Há os que escovam os dentes antes de qualquer coisa, outros que só após tomar o café da manhã. Há quem sequer tome café da manhã. No dia em que decidiu beber um copo de leite, teve dor de barriga o dia todo. Ficou um trauma, por culpa do leite ou não. Melhor se precaver? 

Os dez minutos a mais na cama, por reverenciada preguiça, precisam ser recuperados para não chegar atrasado: as louças sujas terão de ser lavadas à noite. Arrumar a cama — pesquisas científicas comprovam — proliferam fungos e bactérias, portanto deixar bagunçada previne alergias e outros problemas.    

E você sai de casa com o objetivo de trabalhar, levar os filhos na escola, ir ao médico, à farmácia, pensa que antes de retornar tem que passar na padaria. Comprar pães, queijo, presunto ou apenas mortadela. Quem sabe um cigarro no varejo? Nem fuma. Quem sabe se hoje decide fumar para aliviar o provável estresse com o chefe, com o trânsito, com as notícias do jornal. Melhor garantir a perversa tolice consigo mesmo ou a ousadia ingênua de experimentar algo novo ao fim do dia. Mas a padaria é só na volta. Por que se preocupar com isso agora, logo cedo? Saímos sempre na esperança de retornar. 

Já no caminho, lembra que esqueceu um papel qualquer em casa. Não há porque voltar ou talvez seja imprescindível retornar. Está tudo digital e o tal papel não está nas nuvens. E aquela decisão de voltar ou não pode alterar todo o dia. A sucessão de fatos. 

Perigos de que se salvou ou outros que alimentou e que sequer estavam programados para cruzar seu destino. Nunca se sabe. Porque por mais que nos façam querer crer, boa parte das coisas não dependem exclusivamente da gente. Acontecem por uma conjunção de fatos alheios, por pessoas diversas que conhecemos, chamamos pelo nome e outras que nunca vimos ou jamais veremos. Não temos controle de tudo, se é que temos controle de algo. 

De repente, se conhece o homem ou a mulher da sua vida. Apenas um lance, uma paixão avassaladora. Talvez, nada aconteça ou conheça alguém que se tornará importante conselheiro, um amigo para o resto dos seus dias. Um cão ou um gato abandonado que, sabe se lá porquê, te compadece e você, que sequer gosta de bichos de estimação, resolve levar o filhote para casa. 

Pode ser que no caminho para o trabalho ou na volta do almoço se meta em uma enrascada sem saída, seja envolvido em um acidente, um crime. Pode ser que o coração falhe, as pernas bambeiam. Pode ser que o coração acelere e as pernas tremam pelas borboletas voando no estômago. Tudo é possível. Até aquilo que não se imagina. Que horas você volta hoje?     

O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. A maioria é apenas um dia comum, sem grandes acontecimentos. Mas todos contam sua história, escrita por você e por um monte de pessoas que te rodeiam e por tantas outras que você só vê na televisão. 

Uma mensagem do Cortella na rede social pode te fazer ver o que não via. Do nada, te toca, mexe com você. Parece que foi escrita para você naquele exato momento de sua evolução. Se vê no espelho e por razões desconhecidas, enxerga sua alma nu. Quais os seus sonhos? Quais eram os seus propósitos de menino quando você sequer sabia o significado de propósito? 

Há dias, bons ou ruins, que abrem capítulos do livro que conta a sua vida. Outros tantos que apenas enchem linguiça. Dias impactantes mereceriam um livro inteiro. Filmes não são entediantes porque fazem recortes dessas brevidades importantes. Tudo pode mudar em um instante. A questão é que o melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. 

Mas nossas vidas não são filmes. Seus enredos não podem ser resumidos em minutos e vivemos, vivemos e vivemos bocejando; trabalhando; procurando; passando pelo cotidiano de simplicidades e simplificando ou não o que é complexo; cumprindo afazeres banais e essenciais; adiando; suportando; desejando; admirando; sentindo saudade; ansiando; explodindo nos mais variados sentimentos. Não somos passíveis de edição.  

O que foi o melhor dia pode ser superado por outro melhor ainda, tanto quanto o pior. E todos começaram ou começarão como outro qualquer. O que foi o melhor poderá virar o pior. O que foi pior pode ser a grande lição para te preparar para o melhor que veio ou virá. É uma coleção dinâmica essa que fazemos…    

Saímos de casa com a intenção de voltar. Com que bagagem voltaremos? Voltaremos???

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Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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