A enfermaria de beribéricos da Marinha

quinta-feira, 18 de março de 2021

Primeira parte

 

No final do século 19, a Marinha do Brasil instalou em Nova Friburgo enfermarias para o tratamento de praças da Armada acometidos de beribéri. O índice de mortalidade dos marujos instalados na ilha do Bom Jesus preocupou o Barão do Ladário, ministro da Marinha à época. Foram alugadas provisoriamente por esta instituição militar duas pequenas chácaras com casas de vivenda na Rua General Osório.

O prédio da primeira chácara era elevado do solo mais de um metro, com sete janelas de frente e sete laterais. Possuía três enfermarias “acanhadas” iluminadas a querosene. A primeira com nove leitos, a segunda com sete leitos e a terceira enfermaria destinada aos menores com 12 leitos. Havia ainda um quarto para o médico, sala de jantar, despensa, uma saleta e uma cozinha. Fora do prédio, uma banheira e uma latrina para os militares oficiais e outras duas latrinas para os “inferiores”.

Um grande pátio era destinado ao recreio dos doentes e a trabalhos ginásticos tendo em ambos os lados um jardim. Próximo ao edifício havia dois depósitos, sendo um para a lenha. A segunda chácara era situada na mesma rua e a poucos metros da primeira. O prédio pouco elevado do solo possuía quatro janelas de frente e sete laterais. Havia seis saletas que formavam pequenas enfermarias, a primeira com cinco leitos, a segunda com dois, a terceira com três leitos, a quarta com quatro, a quinta com três e a sexta com nove leitos.

Uma saleta servia de quarto para o médico e havia ainda uma sala onde ficava a farmácia. Neste edifício havia um refeitório para os enfermos e os serventes, quartos para os enfermeiros, alojamento para oito serventes, uma cozinha com despensa e duas latrinas. Os dois prédios se comunicavam por um caminho interno que unia as duas chácaras. Em uma das inspeções foi elogiado o asseio das enfermarias bem como as roupas dos enfermos.

No entanto foram criticadas condições anti-higiênicas a exemplo da inconveniência de calhas a descoberto por onde passavam os dejetos fecais até o seu transporte ao rio Bengalas. A pressão da água era tamanha que as fezes saíam fora das calhas formando focos de infecção. Outro problema apontado foi a aglomeração dos enfermos com leitos muito próximos um do outro. Com janelas venezianas para entrada do ar, ocorria a aeração constante dos prédios ficando elas abertas o maior tempo possível. Isto parece ter minimizado o problema da aglomeração.

Mas por que a Marinha escolheu Nova Friburgo para o tratamento dos praças da armada acometidos de beribéri? Dois foram os motivos que corroboraram, a salubridade do clima das montanhas bem como o uso da hidroterapia, e notadamente das duchas recomendadas para o tratamento desta doença, no instituto que havia em Friburgo. O Instituto Sanitário Hidroterápico ou Casa de Duchas foi construído em 1870 pelos médicos Carlos Éboli e o dr. Fortunato.

Com o falecimento de Éboli, em 1885, o instituto passou a ser dirigido pelo médico Theodoro Gomes. Anexo ao instituto havia o Hotel Central, hoje o Colégio N.S. das Dores que hospedava os pacientes do instituto oriundos de outros municípios. Veja  um relatório de uma das inspeções realizada na enfermaria de Nova Friburgo e que curiosamente foi publicado no jornal, algo impensável nos dias de hoje por se tratar de assunto interno da Marinha: “Ao sr. ministro da Marinha dirigiu em data de 30 do corrente o diretor de hospital de Marinha, o sr. dr. Beato de Carvalho e Souza o seguinte ofício: Ilmo e Exmo senhor. Tenho a honra de comunicar a V.Exa. que, em cumprimento à ordem verbal que me foi dada por V. Exa. para visitar a enfermaria dos doentes de beribéri estabelecida em Nova Friburgo, para lá parti no dia 25 do mês passado. A inspeção que ali procedi, com todo o cuidado, me produziu a melhor impressão, porquanto encontrei a enfermaria em muito asseio e limpeza, e os enfermos com boa aparência de saúde e bem estar, o que tudo dizia que em suas consciências havia a confiança e esperança de breves restabelecimentos. Cumpre não ocultar que alguns, ou por outra, aqueles que foram paralíticos e com atrofias musculares ainda se acham muito enfraquecidos, e que só agora e depois de trinta e tantas duchas é que deixaram as muletas e principiam a caminhar sós e apenas firmados em suas bengalas. O tratamento geralmente adotado tem sido uma alimentação farta e apropriada ao estado de cada um, vinhos reconstituintes, do Porto, tônicos, passeios ao ar livre, exercícios ginásticos e sobretudo duchas simples e escocesas, o que tudo tem produzido ótimos resultados. O número de doentes em tratamento naquela enfermaria sobe a 64, dos quais vinte e tantos em condições de terem alta. Os outros, uns em plena convalescença e outros ainda necessitam de longo tratamento por se acharem muito fracos e agora em começo de regeneração. Nenhum óbito. (...) A remoção dos doentes de beribéri para aquela localidade [Friburgo] a ter a sua consciência tranquila e aplaudir a resolução de V. Exa. em fazer efetiva aquela mudança como um paradeiro aos óbitos repetidos que se davam nas praças da armada, quando em tratamento da ilha do Bom Jesus. Por este ofício se pode apreciar as vantagens da acertada deliberação do sr. Barão do Ladário criando a enfermaria em Nova Friburgo e providenciando para que nada faltasse às praças da armada afetadas de beribéri e ali recolhidas.” Jornal do Commercio, 7 de setembro de 1889. Continua na próxima semana.

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